O volume acima da média de chuvas de janeiro evidencia como a região metropolitana de São Paulo enfrenta desafios complexos em relação ao controle de enchentes. Um projeto ambicioso, o Hidroanel Metropolitano, surge como uma alternativa interessante para tratar desse problema e também da questão da mobilidade urbana. A iniciativa busca transformar os rios e represas da região em vias navegáveis para transporte de pessoas e cargas, além de contribuir para o controle de cheias e o desenvolvimento urbano sustentável.
O projeto do Hidroanel pretende integrar os rios Tietê e Pinheiros, além das represas Billings, Taiaçupeba e Guarapiranga, formando uma rede de 170 km de hidrovias. A ideia é utilizar embarcações para transportar passageiros e cargas, oferecendo uma nova opção de deslocamento na região metropolitana.
A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) iniciou estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental em 2009. O Grupo Metrópole Fluvial, do Laboratório de Projeto da FAU-USP, coordenou a articulação arquitetônica e urbanística do projeto. A proposta inicial, com um custo estimado de R$ 2 bilhões, agora está avaliada em cerca de R$ 8 bilhões.
A má notícia é que a ideia completa nunca saiu do papel. Se as obras tivessem começado em 2012, a conclusão total era prevista para 2040. No entanto, apenas ações pontuais foram realizadas ao longo dos últimos anos, o que não permite a revolução urbanística necessária para a Grande São Paulo.
Nessa reportagem, o Guarulhos Todo Dia reúne informações sobre o Hidroanel Metropolitano e explica o ambicioso projeto.
Redução de Enchentes
Um dos principais benefícios do Hidroanel é o seu potencial para mitigar enchentes na região metropolitana. Segundo o professor Alexandre Delijaicov, coordenador do Grupo Metrópole Fluvial, o sistema hidroviário ajudaria no controle da vazão dos rios, oferecendo uma alternativa aos polêmicos piscinões. Ao criar um sistema de canais de navegação e drenagem, o projeto permite um melhor escoamento da água durante as fortes chuvas.
A proposta inclui a construção de um canal central de navegação e drenagem, além de outros dois canais laterais com túneis para esgoto. Esta estrutura é essencial para evitar o acúmulo de água e reduzir os impactos das inundações. Além disso, o projeto prevê a criação de Triportos, que funcionariam como plantas industriais para o processamento de resíduos, contribuindo para a limpeza dos rios e a gestão dos resíduos urbanos.
Mobilidade Urbana e Integração
O Hidroanel Metropolitano também pretende aprimorar a mobilidade urbana, oferecendo uma alternativa de transporte mais eficiente e agradável. O Aquático-SP, que foi inaugurado em maio de 2024 na zona sul da capital como primeiro transporte hidroviário público de São Paulo, é um exemplo. As embarcações interligam os terminais Cantinho do Céu e o Parque Mar Paulista Bruno Covas, num percurso de 5,6 quilômetros, pela Represa Billings, realizado em cerca de 17 minutos. De ônibus, a viagem dura cerca de 1 hora e 20 minutos.
O sistema é integrado com o transporte por ônibus, com a utilização do Bilhete Único, e conta com duas novas linhas de ônibus elétricos, uma ligando o bairro de Cantinho do Céu ao novo terminal hidroviário e a outra ligando o Terminal Santo Amaro ao Aquático-SP em Mar Paulista.
O projeto do Hidroanel, porém, é bem mais ambicioso e considera a criação de 24 portos, o que facilitaria o acesso à rede hidroviária, com o uso de escadas rolantes e elevadores para superar os desníveis causados pelas eclusas e barragens, melhorando a acessibilidade. A extensão do projeto abrange seis trechos distintos, abrangendo o Rio Tietê, o Rio Pinheiros, a Represa Billings e outros corpos d’água.
Custos e Cronograma
De acordo com reportagem publicada pelo Estadão em 2022, o custo estimado para a implantação do Hidroanel naquele ano já era de aproximadamente R$ 8 bilhões. O valor inclui a construção de eclusas, canais, portos e outras infraestruturas necessárias para a operação do sistema hidroviário. O projeto prevê também a criação de áreas de lazer, parques nas margens dos rios e estruturas de combate a enchentes, o que eleva os custos, mas também aumenta os benefícios.
O cronograma inicial do projeto previa a conclusão em 2040, com etapas a partir de 2012. Alexandre Delijaicov, professor da FAU-USP e coordenador do Grupo Metrópole Fluvial, ressalta a importância de integrar o sistema hidroviário ao planejamento urbano, oferecendo alternativas de mobilidade para a região metropolitana. Ele destaca que o projeto, além de melhorar a mobilidade, tem o potencial de gerar renda, empregos e promover a educação ambiental, incentivando o respeito pelas águas urbanas.
PlanHidro SP
Na cidade de São Paulo, o Aquático-SP pode representar o início de um projeto maior. A prefeitura da capital está desenvolvendo o Plano Municipal Hidroviário. O PlanHidro SP contempla as sete principais hidrovias urbanas da cidade: a do Reservatório Billings, a do Reservatório Guarapiranga, a do Canal Superior do Rio Pinheiros, a do Canal Inferior do Rio Pinheiros, a do Canal Central do Rio Tietê, a do Canal Leste do Rio Tietê e a dos Canais do Rio Tamanduateí.
O Plano propõe justamente utilizar 180 km navegáveis de hidrovias para reduzir a dependência do transporte rodoviário e melhorar a gestão de resíduos, contribuindo para a preservação da qualidade das águas.
As hidrovias em São Paulo seriam alternativas não apenas para o transporte para passageiros, mas também de cargas (como resíduos). A ideia de realizar o transporte fluvial de cargas e resíduos busca assegurar uma logística urbana mais sustentável e eficiente. 60 barcos urbanos de carga poderiam substituir até 600 caminhões nas ruas da cidade.
IntegraTietê
Um programa em andamento atualmente no estado é o IntegraTietê, iniciativa lançada em 2023 que prevê uma série de medidas de curto, médio e longo prazo em prol do maior rio do Estado. A previsão atual é que, até 2026, sejam investidos R$ 15,3 bilhões, totalizando, até 2029, mais de R$ 23,5 bilhões, na expansão e melhorias do sistema de saneamento básico, desassoreamento, gestão de pôlderes, melhorias no monitoramento da qualidade da água, recuperação de fauna e flora, entre outras medidas.
Em outubro, por exemplo, o Governo de São Paulo, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil), divulgou que havia investido, desde o início de 2023, R$ 116,3 milhões para retirar lixo flutuante do rio Pinheiros. Foram coletados 64,5 mil toneladas (64,5 milhões de quilos). Os dados são do Lixômetro, painel que está instalado às margens do rio.
A despoluição dos rios não é uma condição para a viabilidade das hidrovias ou do Hidroanel, mas a navegação pode influenciar positivamente a conscientização sobre a importância de rios limpos. A construção de um sistema de transporte hidroviário pode ser um catalisador para a melhoria da qualidade da água e para a transformação das margens dos rios em espaços de convivência.
Hidroanel é utopia?
Apesar dos benefícios, a implementação do Hidroanel enfrenta desafios significativos. A falta de investimento público e a necessidade de um planejamento integrado do estado com os municípios são obstáculos a serem superados.
O arquiteto e urbanista Alex Sartori, criador de conteúdo no Instagram e autor do canal “De que são feitas as cidades?” no YouTube, publicou um vídeo na última semana defendendo a viabilidade do projeto. “Dos 170 km de canais previstos, 89 km já existem e precisariam de adequações. É o trecho que vai da Barragem da Penha, no rio Tietê, passa pelo Pinheiros inteirinho e inclui a represa Billings. Nesse trecho já existem quatro barragens com três eclusas [aqueles elevadores de barco]”, diz.
Ele explica que uma das ideias do projeto é conectar todas as represas da cidade, enviando água de uma para outra quando necessário. “Existem usinas elevatórias que podem inverter o fluxo do Rio Pinheiros e puxar a água do Rio Tietê até a Billings. Isso também poderia ajudar a equilibrar o nível das represas em épocas de seca”, argumenta.
Engavetado há 15 anos, o projeto do Hidroanel poderia marcar uma nova era para a mobilidade urbana e a gestão ambiental na região metropolitana de São Paulo, oferecendo uma solução integrada e sustentável. “Hoje, quinze anos depois e com enchentes cada vez piores, a gente percebe que o Hidroanel não é apenas viável, mas extremamente necessário para a cidade. O Hidroanel é muito mais do que um sonho ou uma utopia. É parte de uma solução que várias cidades do mundo já estão adotando e é super importante para o futuro da nossa cidade”, defende Sartori.
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