Na última semana, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Bernardo do Campo restringiu os atendimentos do Hospital Pimentas-Bonsucesso e do HMU (Hospital Municipal de Urgências). A medida tem como objetivo pressionar a Prefeitura de Guarulhos a pagar pelos atendimentos excedentes realizados nas duas unidades. A Organização Social (OS), no entanto, também tem dívidas na praça. A empresa Sonolayer, centro de diagnósticos referência na coleta de exames laboratoriais e exames de imagem em Guarulhos, cobra uma dívida líquida de R$ 286,5 mil da terceirizada contratada pela prefeitura.
O Guarulhos Todo Dia conversou com exclusividade com o empresário Gustavo Benatti, CEO da Sonolayer, e Ronaldo Mendes, diretor de negócios do laboratório. Os executivos explicaram toda a situação, que deixa ainda mais evidente a grave crise na Saúde pública de Guarulhos.
A Sonolayer começou a prestar serviços para a Santa Casa de São Bernardo em março de 2023. O contrato previa 200 atendimentos por mês (120 eletroneuromiografias, 40 eletroencefalogramas e 40 ultrassonografias com PAAF).
Benatti explica como funcionava o negócio. “Eles direcionavam o paciente [do Pimentas-Bonsucesso] para cá nessas três especialidades. Existe uma área de agendamento nossa e eles passam a agenda pra gente, até porque o paciente é deles. Eles que fazem a ponte com o paciente e entram em contato com a nossa área de agendamento. Eu nunca prospectava paciente deles nem nada. Eles passavam uma lista”, diz o empresário.
“Todos os exames que nós realizamos eram controlados. Tudo passível de registro no Boletim da Secretaria de Saúde de Guarulhos. Isso daí é controlado e a Secretaria de Saúde até acompanha a devolutiva desses atendimentos”, reforça Ronaldo Mendes.
“Nós começamos a atender o paciente deles em março de 2023. Tinha Diário Oficial, a gente tinha que produzir o faturamento de acordo com o relatório padronizado deles, a lista dos pacientes veio deles. Eu não criei isso, não inventei esses nomes. Existe todo um documento comprobatório que começamos o negócio antes de assinar o contrato porque eles estavam insistindo. Insisti para que formalizasse e assinamos o contrato no dia 1º de julho de 2023”, explica o CEO da Sonolayer.
O contrato foi assinado com a Santa Casa de Misericórdia de São Bernardo do Campo, mantenedora do Hospital Pimentas-Bonsucesso e do HMU.
A dívida que virou bola de neve
O centro de diagnósticos diz que sempre teve dificuldades para receber os pagamentos em dia pelos serviços prestados. Até meados deste ano, porém, parte do valor era depositado. Com atraso, mas era depositado. A situação se agravou no segundo semestre de 2024.
“Nunca pagaram no prazo e foi virando uma bola de neve. De vez em quando pagava uma, pagava outra. A partir da formalização, quando nós começamos até que foi razoável. Atrasava, mas pagava e seguia. Em algum momento, eu senti que o dinheiro acabou. Quando acabou o dinheiro, as pessoas se esconderam”, explica Gustavo Benatti.
“Pelo contrato, eu não poderia parar de atender, mas tinha uma cláusula que me permitia reduzir o atendimento em 50%. A gente reduziu a agenda. O problema é que eu tenho que pagar o médico, eu tenho que pagar quem lauda. Tenho custo de folha e custo de médico, mas não tenho a receita. Me causou um buraco”, argumenta o empresário.
Com a dívida se acumulando, ele passou a cobrar a diretoria financeira da Santa Casa via e-mail e chegou a ameaçar entrar com um processo. Depois dessa cobrança mais incisiva, a Organização Social contratada pela prefeitura entrou em contato para fazer um novo acordo e chegaram a pagar um boleto.
“Aí pagaram um boleto em meados de outubro e eu falei: ‘poxa, eu vou ter sempre que bater para receber?’. Me falaram que iriam pagar mais uma até dia 30 de outubro e mais duas em novembro, mas pediram para continuar com o atendimento normal”, ressalta Benatti.
Após o novo acordo de renegociação da dívida para pagamentos de parcelas atrasadas em outubro e novembro, a Sonolayer prosseguiu realizando todos os atendimentos previstos em contrato. No entanto, já no final de outubro a Santa Casa de Misericórdia de São Bernardo do Campo deixou de pagar a renegociação. Em novembro, então, a Sonolayer deixou de realizar os exames para a administradora do Hospital Pimentas-Bonsucesso.
Gustavo Benatti explica que a Sonolayer tem 115 funcionários e uma estrutura com custo alto. O dinheiro que a empresa deveria ter recebido da Organização Social contratada pela Prefeitura de Guarulhos está fazendo falta no caixa do laboratório.
“O que não eu gostei foi a indecência de continuar o atendimento. Eu acredito na democratização da saúde e na equidade de atendimento do paciente advindo do SUS, operadora ou do particular. Não importa, estamos aqui para atender. Esses eram os valores que meu pai [médico] carregava e que eu os carrego comigo, mas eu tenho folha de pagamento, eu tenho médico, eu tenho IPTU, eu tenho aluguéis, eu tenho custos para manter o negócio. Tem manutenção de máquina, tem endividamento bancário porque ninguém tem dinheiro para sair investindo como a gente fez, então é natural você ter saída de caixa. Eu preciso pagar o meu custo operacional, eu preciso pagar a folha e eu preciso receber”.
R$ 286,5 mil a receber
O empresário diz que ainda nesta semana vai enviar uma notificação extrajudicial para a Santa Casa de São Bernardo, estipulando o dia 15 de janeiro como prazo para fechar um acordo de pagamento da dívida. Se a organização não responder ou descumprir a renegociação, a Sonolayer entrará na Justiça para receber os R$ 286,5 mil pelos serviços prestados.
“Desses R$ 286,5 mil líquidos, tem duas importâncias de 2023, de antes do contrato ser assinado. Há documento comprobatório que nós começamos a operação a pedido deles. O que eu quero é só receber o que eu trabalhei. Eu não quero nenhum centavo a menos, nenhum centavo a mais”, afirma o CEO.
O CEO da Sonolayer reforça que a parceria entre a empresa e a administradora do Hospital Pimentas-Bonsucesso estava ajudando a reduzir a já enorme fila de espera de exames do SUS em Guarulhos, mas critica a falta de transparência da Santa Casa de São Bernardo.
“Eu tentei evitar protestar os boletos até o último minuto, mas eu não aguentei mais. O que eu não gostei foi da má atitude da Santa Casa. Se eu fosse o gestor lá, eu falaria: ‘olha, eu não tenho mais como te pagar, então vou ter que parar de atender’. Senão eu vou quebrar o empresariado”, explica.
Outro lado
O Guarulhos Todo Dia tentou contato com a Santa Casa de Misericórdia de São Bernardo do Campo em diferentes endereços de e-mail desde a tarde de terça-feira (10), mas não tivemos resposta. No telefone indicado no site oficial da organização, falaram que o contato deveria ser feito diretamente com o Hospital Pimentas-Bonsucesso. Caso a Organização Social queira se manifestar, nosso espaço segue aberto, tanto no e-mail redacao@guarulhostododia.com.br quanto no WhatsApp (11) 5196-2910.
No último dia 6, a Santa Casa de São Bernardo emitiu um comunicado explicando a decisão de restringir atendimentos no Hospital Municipal de Urgências (HMU) e no Hospital Pimentas Bonsucesso (HMPB) apenas para urgências e emergências. A Prefeitura de Guarulhos não está pagando os valores de atendimentos excedentes nas duas unidades.
Segundo um representante da Santa Casa de São Bernardo do Campo disse ao SP2, da Globo, o contrato inicial previa 7 mil atendimentos no HMU, mas atualmente são realizados cerca de 16 mil. Esse aumento teria causado uma dívida de R$ 42 milhões, de acordo com números da OSS, e de R$ 22,2 milhões pelas contas da prefeitura. No caso do Pimentas-Bonsucesso, o contrato previa 8 mil pacientes por mês, mas somente em novembro foram atendidas 21 mil pessoas. A dívida já chegaria a R$ 50 milhões.
O próprio prefeito Guti confirmou que os pagamentos excedentes estão em atraso. “Sobre a questão financeira, nós estamos em dia com a instituição, mas eles atendem muito mais do que o que foi contratualizado, aí gera um grande passivo que fica fora do contrato. Agora a gente está criando um mecanismo legal e financeiro para conseguir pagar e para que o povo não seja penalizado”, disse o político, em vídeo publicado na segunda-feira (9).
Procurada pela reportagem para tratar sobre o acordo entre a Sonolayer e a Santa de Casa de São Bernardo, além de passar uma previsão de quando os atendimentos no HMU e no Hospital Pimentas-Bonsucesso vão voltar ao normal, a Prefeitura de Guarulhos informou que “não irá se manifestar sobre o assunto em questão.”.
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