A Comissão Especial de Inquérito (CEI) que investiga atrasos nas obras do Programa Viva Baquirivu desistiu de marcar um novo depoimento para ouvir o ex-prefeito Guti, que faltou pela segunda vez à reunião da comissão formada por vereadores da Câmara Municipal de Guarulhos. Nesta terça-feira (10), os parlamentares esperavam ouvir explicações de Guti sobre os problemas que ocasionaram atrasos no projeto classificado pela gestão do ex-prefeito como “o maior programa de obras da história de Guarulhos”.
Inacabado, o Viva Baquirivu foi criado com o objetivo de reduzir as enchentes da cidade com uma série de melhorias nas vias próximas ao rio, nos bairros do Taboão, Vila das Malvinas, Cidade Seródio, Jardim Novo Portugal, Lavras, Bonsucesso e Vila Sadokim. O projeto previa a construção de reservatórios e de um parque linear, com arborização, ciclovia e pista para a prática de esporte.
Os contratos para o início das obras foram assinados em 2022, após a prefeitura receber um empréstimo de US$ 96 milhões (aproximadamente R$ 550 milhões) captado junto ao CAF, o Banco de Desenvolvimento da América Latina. A previsão era que os trabalhos fossem concluídos em 30 meses. No entanto, partes do projetos ficaram pelo caminho.
A CEI do Baquirivu foi instituída com o objetivo de investigar a motivação do atraso na entrega das obras do Programa Viva Baquirivu, a ausência de adoção de medidas mitigadoras que evitassem os prejuízos causados à população residente próximo ao curso do rio, bem como esclarecer o destino dado aos recursos que foram objeto do empréstimo.
De acordo com dados obtidos pela Comissão Especial de Inquérito, o investimento total previsto para o projeto era de US$ 120 milhões, sendo US$ 96 milhões advindos do Banco de Desenvolvimento da América Latina e US$ 24 milhões de recursos próprios municipais. Até abril de 2025, quando a CEI divulgou os números, teriam sido gastos R$ 253 milhões, o equivalente a cerca de US$ 44 milhões, mas a empresa responsável pela obra teria paralisado os trabalhos por falta de pagamento.

O que é o Viva Baquirivu?
Em dezembro de 2021, a própria Prefeitura de Guarulhos resumiu o Viva Baquirivu da seguinte forma:
“O Programa de Macrodrenagem e Controle de Inundações do Rio Baquirivu-Guaçu, com o apoio da Corporação Andina de Fomento (CAF), contempla a diminuição de cheias mediante a ampliação da calha do rio e a construção de reservatórios, recuperação de áreas de várzeas com implantação de parque linear, arborização, construção de passeio público, ciclovia, pista de corrida e mobiliário urbano, ampliação da foz do córrego Cocho Velho, melhoria de vias urbanas e ampliação dos corredores viários de acesso ao Aeroporto Internacional de Guarulhos.”
“A iniciativa abrange, ainda, a adequação do corredor viário da rua Jamil João Zarif em uma extensão de 3,5 km e do corredor de ônibus da avenida Natalia Zarif, com 4 km. Haverá também a implantação do loteamento Ponte Alta II numa área de 230 mil m² com 345 lotes residenciais, além de prédios com 378 apartamentos, áreas verdes, implantação de Ecoponto, Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), escola, quadras, área comercial e toda a infraestrutura urbana com arruamento, pavimentação, drenagem e calçada.”
Por que Guti faltou à Comissão?
A Comissão do Baquirivu começou as investigações em março e, além de ter acesso a documentos relacionados ao programa, ouviu integrantes da gestão Guti, como o ex-secretário de Governo, Edmilson Americano, e o ex-secretário de Obras, Francisco Carone.

Os parlamentares convidaram Guti para comparecer à reunião da CEI nos dias 3 e 10 de junho. No entanto, alegando compromissos anteriormente marcados fora de Guarulhos, o ex-prefeito não compareceu. Ele justificou a ausência enviando e-mails, um dia antes das oitivas, para o presidente da Comissão, o vereador Edmilson Souza (PSOL).
Além disso, publicou vídeos em suas redes sociais mostrando as agendas que está cumprindo. No dia 3, esteve em Curitiba, no Paraná. Nesta semana, viajou para a Europa para receber um prêmio em Excelência na Administração Pública, na França, e participar de um painel para destacar “a transformação e o desenvolvimento sustentável de Guarulhos nos últimos oito anos”.
Guti se ofereceu a prestar esclarecimentos por escrito, por meio de e-mail, o que foi rejeitado pelos vereadores. “Não existe nenhuma possibilidade de se fazer uma escuta do prefeito por e-mail. Em nenhum lugar funciona por e-mail. Nós cumprimos o rito estabelecido pela legislação”, disse Edmilson Souza.
“Quero registrar que o prefeito, mesmo tendo conhecimento de que em diversos momentos o seu nome e suas responsabilidades foram apontadas aqui, sobretudo sobre inconsistências em relação a obras complementares que deveriam ter acontecido, como o caso dos quatro piscinões, de inteira responsabilidade do prefeito, como o caso de dotação orçamentária de contrapartida e das 347 unidades habitacionais que estão previstas como contrapartida a serem construídas para acomodação e deslocamento das famílias. Em que pese esses elementos e todos os outros, como a assinatura de um contrato longo e com um montante de comprometimento do orçamento municipal, o prefeito prefere por silenciar e por não vir a essa comissão”.
Vereador Edmilson Souza, presidente da Comissão Especial de Inquérito do Baquirivu
Entenda o que está acontecendo na CEI do Baquirivu
Após as faltas de Guti, a comissão decidiu dar encaminhamento ao relatório final, documento que vai apontar tudo o que foi apurado durante as reuniões realizadas nas últimas semanas. O relator é o vereador Lauri Rocha (PSD), que apresentará o documento final em reunião marcada para esta quarta-feira, a partir das 17h.
Além de Edmilson e Lauri Rocha, participam da CEI os vereadores Biriba (DC), Carlos Veloso (Novo), Danilo Gomes (Republicanos), Geleia Protetor (PSD), Geraldo Celestino (Mobiliza), Gilvan Passos (Republicanos), Guto Tavares (PDT), Joseval Queiroz (PL) e Lamé (PcdoB).
O que disse o ex-secretário de Governo de Guti
Em 29 de abril, o ex-secretário de Governo, Edmilson Americano, prestou esclarecimentos sobre os motivos do atraso das obras do programa Viva Baquirivu.
Ao ser questionado pelos vereadores sobre o andamento das obras, os pagamentos realizados e, de forma crucial, a situação da construção dos dois piscinões previstos, Americano explicou a natureza de sua participação no programa. Ele afirmou que seu envolvimento era mais “político”, focado na avaliação do programa e na interface entre o CAF, os órgãos dos governos estadual e federal, e as secretarias municipais, e não na execução direta das obras.
Um dos pontos mais sensíveis e que geraram maior preocupação, conforme destacado pelo presidente da comissão, vereador Edmilson Souza (PSOL), diz respeito à situação dos piscinões. Souza revelou que uma área que foi permutada especificamente para a construção de um piscinão “não foi feito absolutamente nada”. O presidente da CEI criticou o fato de que o projeto teria sido enviado apenas “depois que as obras estavam acontecendo”, sugerindo que a previsão e a necessidade desses reservatórios deveriam ter sido consideradas previamente.
O que disse o ex-secretário de Obras de Guti
Em 13 de maio, o ex-secretário municipal de Obras, Francisco Carone, explicou em depoimento que o atraso das obras aconteceu principalmente por causa da “dificuldade de obtenção das licenças ambientais”.
Em relação à construção de piscinões, estruturas consideradas essenciais para aliviar os alagamentos, especialmente nas regiões próximas à calha do rio Baquirivu, Carone afirmou que os piscinões “deveriam ter sido construídos com verba municipal”. Essa declaração gerou críticas por parte do presidente da CEI, vereador Edmilson Souza (PSOL), que destacou a “irresponsabilidade” da gestão anterior.
O parlamentar argumentou que um simples remanejamento orçamentário teria sido suficiente para garantir a conclusão dessas obras. Ele questionou a lógica de iniciar uma obra para combater enchentes sem a prévia garantia dos terrenos para os piscinões, ressaltando que o empréstimo para a obra principal já está gerando juros aos cofres públicos.
Outro ponto de estranheza levantado por Edmilson Souza, com base no depoimento de Carone, foi a aparente contradição em relação à inclusão de corredores de ônibus no projeto. Enquanto anteriormente era divulgado que o projeto contemplaria tais corredores, o ex-secretário teria afirmado que “não tem corredor de ônibus previsto nesse projeto”.
O que disse servidor que participou da gestão do Viva Baquirivu
Em 27 de maio, a CEI ouviu Jair Alexandre Gonçalves, servidor que atuou na coordenação do grupo de trabalho de gestão do programa e esclareceu a relação entre a Prefeitura de Guarulhos e o CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina), financiador da obra.
Um dos apontamentos mais relevantes de seu depoimento diz respeito à construção dos piscinões. O servidor detalhou que o CAF “recomendou os piscinões”, mas não determinou a sua construção porque eles “não estavam no escopo do empréstimo” concedido. No entanto, como banco de fomento, o CAF verificou e emitiu uma clara opinião de que a obra realizada no leito do rio e em suas laterais “não terá o efeito técnico prometido se não tiver os piscinões”.
Segundo o servidor, existia um “rito de acompanhamento” bem estabelecido, com reuniões semanais que, por vezes, contavam com a participação do próprio prefeito. Além disso, missões de averiguação do CAF eram realizadas semestralmente. As missões incluíam reuniões internas, análise de relatórios e diversas apresentações das pastas envolvidas, culminando com o CAF repassando suas percepções “em campo” diretamente ao prefeito ou secretário.
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