Nesta semana, foi protocolado na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) o Projeto de Lei nº 672/2024, que prevê a cobrança de mensalidade em universidades públicas estaduais, como a USP, Unicamp e Unesp. A ideia partiu do deputado estadual Leonardo Siqueira, do Novo. O político pretende implementar o Programa SIGA (Sistema de Investimento Gradual Acadêmico). Funcionaria como um empréstimo estudantil, cujo pagamento seria feito ao fim da graduação. Pelo modelo estabelecido no projeto, de Empréstimos com Amortizações Contingentes à Renda (ECR), quem ganha mais paga mais –no entanto, no final das contas, todos teriam que pagar.
“Além de tornar as universidades mais sustentáveis financeiramente, esse modelo vai possibilitar a expansão do número de vagas, permitindo a entrada de ainda mais alunos e melhorando a infraestrutura das instituições. Com o aumento de recursos, as universidades poderão investir em melhorias e na ampliação de sua capacidade, garantindo um ensino de qualidade para um público mais amplo”, defende o texto do deputado do Novo.
A Instituição de Ensino Superior responsável pelo curso determinaria o valor da mensalidade e critérios de reajustes. O programa permitiria que os empréstimos fossem pagos de acordo com a renda da pessoa que se formou, depois de sua inserção no mercado de trabalho.
“Com essa iniciativa, aproximamo-nos das melhores práticas internacionais, ampliando o acesso ao ensino superior para a população mais pobre e fornecendo recursos adicionais às universidades públicas do estado de São Paulo”, finaliza Siqueira em sua argumentação.
Esse é apenas um projeto, que agora vai passar pelas comissões da Alesp. Não tem previsão para ser votado pelos outros deputados.
A ideia de cobrar mensalidade nas universidades públicas, no entanto, já enfrenta forte resistência dentro do movimento acadêmico.
A Unicamp, por exemplo, fez uma longa reportagem em seu portal com a opinião de diferentes educadores contrários ao Projeto de Lei. Os especialistas preveem impactos negativos da medida para estudantes de baixa renda e risco de aprofundamento da desigualdade no acesso à educação.
“O projeto é mais um exemplo dos retrocessos a que o ensino e a ciência estão insistentemente expostos já há alguns anos. A onda de pressões para cobrança de mensalidade nas universidades públicas e a privatização do ensino são constantes nos setores das elites políticas –e de outros– que não se informam e imaginam que mensalidades financiam instituições de ensino e pesquisa com a envergadura das universidades públicas paulistas”, diz a pró-reitora de Pós-Graduação da Unicamp, Rachel Meneguello.
Professor da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, Lalo Watanabe entende que o projeto tem cunho privatizante. O especialista ressalta que cerca de 75% das matrículas feitas no ensino superior já são realizadas no setor privado. Watanabe é autor de obras como “Educação da Miséria: particularidade capitalista e educação superior no Brasil” e “As reformas do ensino superior no Brasil: o público e o privado em questão”.
Empréstimo estudantil
O professor explica que é perigoso comparar os modelos de financiamento das universidades paulistas com o que é feito nos Estados Unidos, por exemplo.
“São realidades muito diferentes. Depois, não é possível fazer essa comparação por conta do critério de pagamento. Lá existe o modelo em que se paga mesmo nas escolas públicas, mas há históricos de grandes endividamentos, resultando num sistema que não prejudica os estudantes apenas na entrada, mas durante o curso e por longos períodos depois disso. O Reino Unido adotou modelo semelhante e hoje tem uma juventude pós-universitária cada vez mais endividada”.
O Projeto de Lei do deputado do Novo defende que esse modelo já foi implementado em países como Austrália, Inglaterra, Chile, Coreia do Sul, Estados Unidos, Holanda, Japão e Nova Zelândia.
No entanto, os especialistas apontam que esse tipo de sistema deixa uma dívida de empréstimo mesmo para os mais pobres. “O que se vê nesta proposta é a possibilidade de cobrança de mensalidade, mas o que é mais grave é que isso se dará por meio de empréstimo por amortização, o que acaba vinculando o estudante – sobretudo o mais pobre – a toda uma cadeia financeira de empréstimos e de especulação financeira num sistema muito duvidoso, até porque o projeto não detalha como isso iria acontecer. Isso tudo torna a proposta mais séria e preocupante”, explica o professor do Departamento de Políticas, Administração e Sistemas Educacionais (Depase) da FE, Lucas Pelissari.
Alunos e professores da USP também se posicionaram contra a ideia de cobrar mensalidade nas universidades públicas de São Paulo.
Nas redes sociais, o deputado Leonardo Siqueira diz que a esquerda está unida contra ele por causa do projeto. O político defende, porém, que pretende aumentar a arrecadação das universidades com o sistema e cobrar de quem tem mais renda.