São Paulo vivenciou nas últimas duas semanas um cenário incomum na Rua dos Protestantes, tradicional ponto de concentração de usuários de drogas no centro da capital. A área, conhecida como Cracolândia, está vazia desde o último dia 14. O chamado “fluxo” praticamente desapareceu da região, mas começou a surgir em outros locais do próprio centro paulistano e em cidades da região metropolitana. O esvaziamento repentino da Cracolândia ainda é um caso que levanta mais perguntas do que respostas sobre uma situação complexa, que envolve questões de segurança e saúde pública.
A antiga Cracolândia está com policiamento reforçado desde o esvaziamento. No entanto, moradores da região e reportagens feitas por diferentes veículos de imprensa apontam que os usuários se deslocaram para outros locais do centro de São Paulo. Entre as áreas citadas estão a região do Minhocão, Santa Cecília, Sé, o Parque Dom Pedro e a Rua da Consolação com a Avenida Paulista.
Quando questionados, os usuários afirmam que vão para esses locais de acordo com a determinação das forças de segurança pública, que dispersam os dependentes químicos de um lugar para o outro. A mudança do “fluxo” da Cracolândia foi marcada por ações da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e da Polícia Militar. Usuários relataram terem sido expulsos e agredidos, além de terem sido atingidos por bala de borracha e gás de pimenta.
O comando da GCM de São Paulo tem dito que qualquer desvio de conduta praticado por agentes durante as ações em pontos de uso de droga é levado à corregedoria e investigado. Eles enfatizam que a orientação é proteger, fiscalizar e acompanhar, não agredir.
Uma reportagem do Cidade Alerta, da Record, mostrou alguns dos locais ocupados por traficantes e dependentes depois do esvaziamento da Cracolândia.
Segundo o promotor Juliano Atoji, do Ministério Público de São Paulo, uma força-tarefa realizada no fim do ano passado desativou uma série de atividades criminosas que retroalimentavam o tráfico na Cracolândia. Essas atividades incluíam a exploração ilegal de ferros-velhos com violações de direitos humanos, lavagem de dinheiro, exploração de prostituição e tráfico de drogas em hotéis abandonados.
As ordens centrais, tanto para o domínio territorial quanto para tribunais do crime, partiam da Favela do Moinho, que está passando por um processo de desocupação. Promotores também denunciaram guardas municipais por formação de milícia e venda ilegal de armas, além de investigarem outros agentes.
E Guarulhos?
Após o esvaziamento, a situação ganhou um novo capítulo com denúncias de que dependentes químicos da Cracolândia teriam sido levados para bairros de Guarulhos. Tudo começou com um post feito pelo padre Julio Lancelotti, que tem um trabalho de auxílio a dependentes químicos no centro de São Paulo.
No dia 21, o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) e a vereadora paulistana Luna Zarattini (PT) acionaram o Ministério Público de São Paulo para apurar o paradeiro dos usuários de drogas que ficavam na Cracolândia.
Luna e Suplicy pontuaram que havia diversos relatos denunciando o transporte, em vans, de pessoas em situação de vulnerabilidade social e dependência química, “muitas vezes de forma forçada ou mediante ofertas questionáveis, para bairros periféricos da capital ou até mesmo para outros municípios da região metropolitana, como Guarulhos”.
“Moradores do Jardim Tremembé, na zona norte da capital, relataram o repentino aumento da presença de usuários na região, alguns deles portando notas de R$ 100, indicando que foram pagos para se deslocarem. Em Guarulhos, a prefeitura local instaurou apuração para investigar a chegada de pessoas transportadas pela gestão paulistana sem qualquer articulação prévia”, escrevem em um trecho do documento.

A Prefeitura de Guarulhos confirmou em nota que recebeu a denúncia “com preocupação e cautela” e está investigando o suposto caso. A administração municipal mobilizou as secretarias de Segurança Pública, com apoio da GCM, e de Desenvolvimento e Assistência Social para averiguar a situação e tomar as medidas cabíveis, se confirmada.
Por outro lado, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, refutou categoricamente as denúncias, classificando a possibilidade do transporte de usuários como “descabida, é uma coisa totalmente infundada, absurda”.
Segundo Nunes, a denúncia surgiu de uma postagem feita pelo padre Julio Lancelotti em suas redes sociais, baseada em uma mensagem que ele teria recebido de “alguém que ele não conhece”. O prefeito paulistano considerou a publicação do padre “irresponsável” e disse que vai conversar com o prefeito de Guarulhos, Lucas Sanches, para esclarecer o que ele acredita ser um “erro de comunicação”.
Vereador mais votado de Guarulhos, Delegado Mesquita (Republicanos) foi até a Cracolândia para investigar se havia algum relato de pessoas colocadas em vans e enviadas para outros locais.
“As respostas ainda são nebulosas, mas uma coisa é certa: o dependente químico vai onde há oferta de droga. Por isso, combater o tráfico é o caminho mais eficaz para estancar essa epidemia. E isso passa por repressão dura ao fornecimento e abastecimento das drogas que destroem vidas, famílias e geram insegurança à população”, publicou o vereador e policial civil, no Instagram.