Vai ser solto? Justiça ainda não sabe o que fazer com o Maníaco do Parque após 2028

Limbo jurídico e institucional pode colocar Francisco de Assis Pereira na rua quando ele completar 30 anos na prisão.

Vinícius Andrade

redacao@guarulhostododia.com.br

Reprodução/Prime Video

Publicado em 07/11/2024 às 11:50 / Leia em 6 minutos

Os crimes cometidos por Francisco de Assis Pereira, conhecido como o Maníaco do Parque, voltaram à tona recentemente com a estreia de duas produções diferentes, disponíveis para assistir no Prime Video. Uma delas o filme “Maníaco do Parque – Um Serial Killer Brasileiro”, que reconta a trajetória do psicopata preso em 1998, e a outra o ótimo documentário “Maníaco do Parque – A História Não Contada”, que entrevista sobreviventes, policiais, jornalistas familiares de vítimas, parentes do condenado e outros personagens envolvidos no caso. E uma informação surpreendeu a quem assistiu: condenado a mais de 285 anos de prisão pelo assassinato de 7 mulheres, Francisco pode sair da cadeia em 2028.

Isso porque, na década de 1990, quando os crimes do Maníaco do Parque foram cometidos, a lei brasileira estabelecia que nenhum condenado poderia ficar mais de 30 anos preso. Esse prazo foi alterado de 30 para 40 anos no início de 2020, mas não se aplica a casos retroativos. No entanto, a soltura de Francisco pode não acontecer de forma automática.

O condenado foi considerado semi-imputável após exames psiquiátricos –ou seja, a Justiça considera que ele sabia o que estava fazendo, mas não tinha controle sobre suas ações. O laudo dos psiquiatras ainda atestou que ele tinha transtorno de personalidade antissocial, nome para quem tem psicopatia.

A execução das penas para semi-imputáveis inclui a avaliação da periculosidade do indivíduo no momento da soltura. “O processo envolve a participação do Ministério Público e da defesa, assegurando que todas as partes interessadas sejam ouvidas. Caso a periculosidade do indivíduo persista, ele não precisa ser libertado”, explica Jacqueline Valles, advogada criminalista, mestre em Direito Penal e membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), em nota enviada ao Guarulhos Todo Dia.

O artigo 99 da Lei de Execução Penal detalha que indivíduos semi-imputáveis são destinados a Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, onde deveriam receber tratamento adequado para suas necessidades. No entanto, no caso de Francisco, o júri popular entendeu que Francisco de Assis Pereira tinha pleno juízo dos crimes que cometeu, por isso ele não teve direito a ficar internado nos chamados manicômios.

Onde Francisco de Assis Pereira está preso hoje?

O Maníaco do Parque cumpre a sua pena na Penitenciária Orlando Brando Filinto, no município de Iaras, que fica na região de Avaré, no interior de São Paulo, a cerca de 300 quilômetros da capital. Essa penitenciária costuma ter presos condenados por crimes contra a dignidade sexual.

Em entrevista ao documentário Maníaco do Parque – A História Não Contada, no Prime Video, Caroline Landim, a atual advogada de Francisco, considera um erro o seu cliente ter ficado todos esses anos em uma prisão comum, sem o tratamento adequado. “Ele informou que estava com 16 apenados dentro da cela. Atualmente, ele não trabalha e só faz estudos próprios. Faz estudo religioso, faz meditação, faz leituras. Não faz psicoterapia, não toma remédios controlados e não passa por nenhum tratamento”, diz.

“O Francisco passou por quatro julgamentos. A pena total dele ficou em 285 anos, 9 meses e 10 dias. Eu não acredito que nesse caso tenha havido Justiça. O melhor e mais justo seria ele ter sido julgado inimputável [alguém que não entende suas ações]. Ele não recebeu nenhum tipo de tratamento ao longo desses anos [preso]. Tudo aconteceu na década de 90, foi o primeiro caso que trouxe uma mídia gigantesca. A promotoria pedia Justiça, a sociedade pedia Justiça. Ninguém nunca pensou quais seriam os reflexos que essa história traria”.

Caroline Landim, atual advogada de Francisco de Assis Pereira

Também em entrevista ao documentário, Maria Helena Pereira, mãe de Francisco, disse que nem ela tem certeza se quer ver o filho solto. “A gente até queria que ele saísse, tivesse liberdade, mas ele não vai ter paz mais na vida dele. Então eu preferia que ele ficasse em observação, é incurável isso. Eu não sei dar uma resposta se eu quero ou não quero [que ele saia da prisão], fica no ar. Nem eu sei o que é melhor pra ele, nem eu sei”, afirmou.

Entenda o que pode acontecer

No entendimento da jurista Jacqueline Valles, a situação do Maníaco do Parque terá um destino semelhante a de Champinha, assassino do casal de adolescentes Liana Friedenbach e Felipe Caffé, em 2003, entrando em um complexo limbo jurídico e institucional.

Ao final do cumprimento da pena, é necessário realizar um exame criminológico para avaliar a periculosidade do detento. “Caso seja considerado perigoso, como ocorreu com Champinha, ele poderá ser interditado civilmente e mantido sob custódia em uma instituição psiquiátrica. E é aí que a situação fica complicada porque a decisão de desativação de hospitais psiquiátricos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) complica essa situação, deixando Pereira em um estado de incerteza sobre seu futuro após 2028”, comenta Jacqueline.

A jurista, que faz da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, explica que, desde 2022, o CNJ busca desativar instituições psiquiátricas e transferir seus internos para tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em conformidade com a Lei Antimanicomial de 2001.

No entanto, essa medida enfrenta resistência de entidades médicas, que questionam a segurança, e de governos locais, que alegam falta de infraestrutura. “Essa resistência faz sentido. Como deixar um preso que representa uma ameaça à sociedade em locais que não têm um aparato de segurança?”, questiona a criminalista.

Jacqueline Valles afirma que, apesar das dificuldades, o Estado possui mecanismos legais para lidar com casos como o de Pereira, mas a falta de transparência e clareza sobre os procedimentos futuros gera apreensão na sociedade.

“Enquanto o prazo de sua pena se aproxima do fim, a necessidade de uma solução se torna cada vez mais urgente. Esse crime causou muita comoção e o lançamento do documentário reavivou o temor de que Pereira seja solto. Agora, a sociedade aguarda uma definição sobre como o Estado lidará com indivíduos que, mesmo após o cumprimento de suas penas, continuam a representar um risco”.

Jacqueline Valles, advogada criminalista, mestre em Direito Penal e membro da Abracrim

“A Defensoria Pública ou o Ministério Público devem intervir para garantir que a lei seja cumprida e que a segurança pública seja preservada, evitando que Pereira seja liberado sem a devida avaliação de sua condição psiquiátrica e social”, defende a criminalista.


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