O varejo está em crise no Brasil? Depende muito do ponto de vista do empresário e do setor que está olhando. O “combo” do comércio varejista engloba muita coisa, como supermercados, drogarias, lojas de departamento, moda, calçados, móveis e eletrodomésticos. Em 2023, as vendas no varejo brasileiro cresceram 1,7%, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os números aqui em Guarulhos, porém, foram muito melhores: 5,4% de alta, com o maior faturamento (R$ 69,4 bilhões) desde o início da série histórica da Fecomércio-SP, em 2008. E o sucesso dos índices na cidade se refletem, inclusive, em varejistas gigantes que tentam sair de grandes crises financeiras.
Enquanto indústrias saem para o interior de São Paulo ou até para fora do estado, o varejo fica (e cresce) no município. Nesta reportagem especial, o Guarulhos Todo Dia indica por que gigantes como Lojas Americanas, Marisa e Polishop continuam operando aqui no município. Todas essas companhias têm em comum o fato de terem acumulado dívidas e fechado unidades ao redor do país.
“Ainda existem consequências da crise econômica mundial de 2008 e, sobretudo, da crise sanitária do coronavírus. Esses reflexos, em economia mundial ou nacional, perduram por anos. As empresas enfrentam, no curto prazo, dificuldades financeiras. Contudo, em sua estrutura econômica, a situação pode ser mais favorável a elas, ou seja, elas têm uma estrutura que lhes permite enfrentar situações de crise, justamente porque são empresas de grande porte”, explica Carlos César D’Arienzo, economista e professor do curso de Ciências Contábeis da UNG (Universidade Guarulhos).
Lojas fechadas, mas não em Guarulhos
A Americanas encerrou mais de 120 lojas pelo Brasil desde o início desde 2023, mas seis continuam abertas aqui em Guarulhos. A do Internacional Shopping voltou a investir nas promoções de barras de chocolate, doces e guloseimas ao estilo “Pague 3, Leve 4”. Quem frequenta o centro de compras há muito tempo sabe da estratégia de comprar umas besteirinhas na Americanas antes do cinema, né.
Além disso, ao contrário do que chegou a acontecer em determinado momento da crise, as prateleiras agora voltaram a ficar cheias. A reportagem visitou o local na última semana de maio e viu uma movimentação intensa –recentemente, inclusive, instalaram totens de autoatendimento para receber os pagamentos.
Depois de amargar prejuízos de R$ 400 milhões em 2020, R$ 70 milhões em 2021 e R$ 200 milhões em 2022, a Marisa fechou 88 lojas no ano passado. As três aqui de Guarulhos, porém, continuam abertas: no Internacional Shopping, no Shopping Bonsucesso e no calçadão da Dom Pedro II.
Com dívidas de aluguel e com um pedido de Recuperação Judicial aprovado agora em maio, a Polishop já fechou mais de 100 lojas físicas nos últimos meses. Por enquanto, a unidade da empresa famosa por vender panelas e diversos utensílios segue aberta no Internacional Shopping, aqui em Guarulhos.
O crescimento do comércio varejista em Guarulhos
Segundo dados da Pesquisa Conjuntural do Comércio Varejista, elaborada pela FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), o setor que atua na região de Guarulhos faturou R$ 69,3 bilhões em 2023.
Somente os supermercados venderam R$ 26,2 bilhões, alta de 9,5% em relação a 2022 –talvez isso também ajude a explicar um pouco sobre a quantidade de novos mercados (de diferentes tamanhos) ao redor da cidade. Se o Grupo Dia fechou unidades e desistiu de vender no Brasil, a rede Oxxo, por exemplo, abriu dezenas de lojas em diversos bairros.
“Na visão da FecomercioSP, de maneira geral, os resultados positivos do varejo em 2023 foram motivados, principalmente, pela geração de empregos com carteira assinada, o que elevou o contingente de pessoas em condições de consumir e resultou em uma maior injeção de recursos do décimo terceiro salário no fim do ano”, diz a instituição, em nota.
As lojas de departamentos, eletrodomésticos e eletrônicos, onde se encaixam Americanas e Polishop, registraram crescimento de 22,5% e faturaram 3,4 bilhões aqui em Guarulhos no ano passado. Já a área de vestuário, tecidos e calçados, que a Marisa faz parte, caiu 10,4% e fechou 2023 com 7 bilhões em vendas.
“Guarulhos é o terceiro maior orçamento público do estado de São Paulo, fica atrás apenas da capital paulista e de Osasco. Mas Guarulhos é a segunda maior população do estado, com 1,3 milhão de habitantes. Esse é um número importante para as empresas, sobretudo da área comercial, do varejo, ou seja, das vendas finais aos consumidores porque é um mercado potencial”, argumenta o professor da UNG, que complementa:
“Esse mercado em potencial depende de uma série de variáveis, como o nível de renda, o salário da população. Sendo assim, essas empresas não perdem o foco nesse mercado. Também devemos observar que existe uma sinergia, uma integração importante econômica que vem de mais de 50 anos, sobretudo do ponto de vista da economia industrial e comercial, com a cidade de São Paulo. O trânsito, os transportes, a comunicação e a proximidade entre São Paulo e Guarulhos faz com que as lojas visem os consumidores e cidadãos que moram nas divisas entre a capital e Guarulhos”.
Crise?
Artigo publicado pela consultoria CFEG (Cambridge Family Enterprise Group) defende que “Crise do varejo não é crise, é problema de gestão”. O setor é, sim, impactado pela inflação e pelos juros elevados, pois ambos pressionam a renda, encarecem o crédito e impactam na liquidez das empresas. No entanto, ao apresentar os casos de crises nas Lojas Americanas, Marisa, Magazine Luiza e Casas Bahia, a consultoria contrapôs com os exemplos positivos de Gazin, Lojas CEM e Havan.
“A avaliação indica que as empresas que estão em crise tiveram uma má gestão nos últimos anos. Uma evidência disso é que dentre as quatro empresas citadas [no artigo], três tiveram seus gestores substituídos por decisão dos controladores e Conselhos de Administração”, aponta o texto.
O bom desempenho do varejo em Guarulhos não significa que empresas do setor não correm o risco de “quebrar” na cidade. Um grande exemplo negativo pode ser visto claramente no centro, com dezenas de espaços comerciais para alugar ou para vender. Os números indicam, porém, que aqui é um local importante para os resultados das grandes redes.
“Não podemos nos esquecer que Guarulhos tem uma posição estratégica, geograficamente. É uma cidade que não está tão longe do litoral, sobretudo em relação ao Porto de Santos, há rodovias importantes no entorno do município ou que cortam o município, como a Dutra. Há centros logísticos e de distribuição importantes. Sendo assim, Guarulhos é um município estratégico, não apenas do ponto de vista do estado de São Paulo, mas do Brasil”.
Carlos César D’Arienzo, economista e professor do curso de Ciências Contábeis da UNG
“Crise financeira em uma empresa é uma coisa, a crise econômica é outra na própria empresa. A crise econômica envolve toda a sua estrutura e ao longo do tempo, mais a longo prazo. No curto prazo, ela pode sim enfrentar uma crise financeira, como aconteceu durante a crise sanitária do coronavírus. Mas estruturalmente e economicamente a empresa tem recursos para enfrentar tais crises, por isso essas empresas conseguem permanecer no mercado, sobretudo em um mercado atrativo e atraente como é a cidade de Guarulhos“, reforça o especialista.