A indústria de Guarulhos fechou 2024 empregando 100.389 pessoas com carteira assinada, crescimento de 7 mil postos de trabalho desde 2020. Somente no ano passado, houve um saldo positivo de 3.439 vagas, de acordo com dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Diretor titular do CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) Guarulhos, Maurício Colin recebeu o Guarulhos Todo Dia na sede da entidade para uma entrevista exclusiva nesta semana. O executivo aborda as perspectivas para o setor industrial guarulhense, fala sobre a expectativa para o novo governo Lucas Sanches e aponta os desafios futuros, como juros altos, dólar instável e avanço da Inteligência Artificial.
Colin é engenheiro industrial, mecânico e engenheiro de segurança do trabalho. Diretor da regional guarulhense do CIESP desde 2013, o empresário é vice-presidente da indústria Daicast, que opera no setor de injeção de ligas de alumínio.
Guarulhos já foi uma cidade predominantemente industrial, mas o perfil da economia do município mudou nas últimas décadas, com o crescimento do setor de serviços e comércio, atualmente responsável por mais de 70% dos postos de trabalho –a indústria detém 26% dos empregos formais na segunda maior cidade do estado de São Paulo.
A indústria de Guarulhos é forte e ainda tem espaço para crescimento, mas Colin entende que é necessário profissionalizar a gestão, não apenas do lado político como também na parte empresarial.
Leia abaixo a primeira parte da entrevista concedida pelo diretor do CIESP ao Guarulhos Todo Dia –as outras partes da conversa serão publicadas na próxima semana.
Guarulhos Todo Dia – Em 2023, segundo informações da Fundação Seade, a economia da região de Guarulhos contou com 72,3% de participação do setor de serviços, 26,5% da indústria e 1% da agropecuária. No município de São Paulo, a indústria pesa 9%, ou seja, a região de Guarulhos é muito mais dependente da indústria do que a capital. Gostaria que você passasse um panorama da indústria guarulhense atualmente.
Maurício Colin (CIESP) – Realmente, a indústria tem um peso muito grande. Guarulhos é uma cidade industrial, sempre foi. Com relação à situação atual e também um pouco da futura, Guarulhos não é diferente de qualquer lugar, de outros grandes players que tem no Brasil. Segue na mesma linha. O movimento é igual nos grandes polos, como o ABC, Sorocaba e Campinas. São grandes cidades industriais também, com forte pegada industrial.
Então, eu diria que 2024 foi um bom ano. Nós temos os grandes problemas que todos estão tendo no setor industrial, que é a falta de mão de obra qualificada, a falta de mão de obra base, porque você está aí com uma taxa de desemprego de 6,2%. É um pleno emprego.
Economia
Durante este ano, o que eu vejo também de grandes problemas e desafios é a questão do dólar e dos juros. Vai acabar afetando o setor industrial fortemente. Nós nos tornamos menos competitivos. Isso na grande massa. Para alguns é vantagem, mas para a grande massa não é vantagem essa situação. Temos a questão do governo americano, que também vai influenciar Guarulhos, São Paulo e o Brasil. Por um lado positivo, por outro negativo.
Governo Donald Trump
A última notícia que todo mundo viu é que ele [Estados Unidos, presidido por Donald Trump] se acertou com o México e Canadá, porém ele continua na briga com a China. Quando ele briga com a China, que já aconteceu na primeira gestão, sobra para o Brasil, por um lado positivo e por outro negativo. Alguns setores vão ter o ataque de vendas da China aqui dentro e vão ter grandes compras para o setor agrícola. Então, assim, acaba nos respingando por um lado positivo e por outro negativo. Muito sai, muito sobe. Então, essa balança que eu acho que vai ser um grande desafio.
Perspectivas para 2025
E, com tudo isso, eu vejo que o setor industrial vai ainda ter um bom ano em 2025, como foi em 2024. Nós vamos ter dificuldade, sim, com o emprego, mas se tiver uma boa gestão…. Eu acho que um pouco da indústria que tem um problema, e pouco se fala, é em gestão. O Brasil sofre com gestão. Nós não temos, por cultura, ter boa gestão. Tudo parece meio familiar. Isso vale para o setor industrial, isso vale para o setor de serviço, isso vale para a política. Sempre tem algo não tão profissional. Então, isso acaba atrapalhando.
Por quê? Uma coisa técnica que as empresas vão ter dificuldade agora é a questão da tecnologia. Tanto do IA [Inteligência Artificial] como da segurança cibernética. As indústrias não estão muito preocupadas com isso, só que isso é um perigo. Porque, por menor que você seja, você tem um computador. Por mediano que você é, você tem uma grande estrutura. E tudo isso está sujeito a um possível ataque. Então, eu acho que esses são grandes desafios para o setor industrial como um todo.
Guarulhos Todo Dia – Em 2024, de acordo com o Caged, a indústria paulista criou 92 mil postos. Em Guarulhos, houve um saldo positivo de 3.500 vagas. A indústria de Guarulhos fechou 2024 empregando mais de 100 mil trabalhadores formais. Existe, apesar dessa dificuldade de mão de obra, perspectiva de crescimento nos postos de trabalho para a indústria também em 2025?
Maurício Colin (CIESP) – Sim, também existe. Eu vejo que existe um potencial de crescimento. Nós só não empregamos mais em Guarulhos, eu acredito, pela dificuldade de contratação que se tem. A gente acaba buscando fora, nos arredores, nas outras cidades, como Arujá, como Suzano, como a própria Itaquá. Enfim, são cidades próximas, nem vou citar São Paulo porque não precisa. Então, a zona leste de São Paulo traz muita mão de obra para Guarulhos. E o guarulhense acaba se deslocando para São Paulo.
Eu até tenho um comentário interessante que eu acho que até vale para o emprego. Vou ser leviano em falar isso aí, mas, muitas vezes nós já nos pegamos no seguinte, tem um curso em Guarulhos, um curso de inglês do Paulo Manso [diz Colin, usando como um exemplo aleatório o assessor de imprensa do CIESP, que acompanhava a entrevista]. Aí o Paulo Manso vai dar um curso em São Paulo, na Avenida Paulista. O guarulhense vai fazer um curso em São Paulo, na Avenida Paulista, mas não faz com o Paulo em Guarulhos, que é o mesmo Paulo.
É interessante. E, às vezes, eu acho que um pouco do emprego acaba sendo isso. Ele acaba se deslocando para São Paulo para um emprego que talvez teria um similar aqui. Pode ter uma pequena diferença salarial? Pode. Mas ele acaba tendo esse grande deslocamento.
Mas eu acho que nós vamos ter um 2025 ainda com crescimento, tanto de investimento como de geração de emprego.
![Imagem aérea de Guarulhos, com Via Dutra perto do Shopping Internacional](https://controle.guarulhostododia.com.br/wp-content/uploads/2024/08/guarulhos-criacao-de-emprego-2024-julho-foto-bueno-drone-1024x644.jpg)
Guarulhos Todo Dia – No ano passado, o CIESP foi uma das entidades a defender a aprovação do PPI, o Programa de Parcelamento Incentivado, com anistia de juros e multas para dívidas municipais, ainda no ano passado. Essa aprovação acabou não acontecendo. Gostaria de entender, na sua visão, como que essa decisão política afeta não apenas a indústria, mas a economia da cidade como um todo.
Maurício Colin (CIESP) – As questões às vezes são decididas, eu acho muito estranho. O PPI é para quem? É para o [ex-prefeito] Guti? É para o [atual prefeito] Lucas Sanches? É para o [atual presidente da Câmara] Martello? É para o [ex-presidente da Câmara] Ticiano? Não! É nosso!
É da sociedade como um todo, seja ela industrial ou civil, é da sociedade. Então, o momento que ela vai acontecer pouco importa. O que esse povo precisa entender é que o dinheiro que está sendo circulado em qualquer cidade, em qualquer estado, em qualquer país, é nosso. Então não tem momento. Ele tem que ser na hora. É para resolver, tem que resolver.
O dinheiro vai ser usado. O dinheiro não vai para o bolso do Guti, ou para o bolso do Lucas Sanches, ou para o bolso do Tarcísio, ou do Lula. O dinheiro é nosso. Eles estão lá fazendo gestão sobre isso. Então eu não entendi porque esperar o PPI. Aliás, [disseram] vamos retomar os trabalhos e vamos resolver o PPI. Estamos em fevereiro, daqui a pouco está março e não aconteceu nada.
Está esperando agora o quê? O próximo governo? Cara, se é algo que beneficia a sociedade teria que ter acontecido naquele momento, até antes. Até critico o Guti. Por que ele não fez antes? Fizesse em setembro, em outubro. Se o Lucas agora, se tiver um PPI no fim do mandato dele, que já fique um aprendizado. Vamos fazer três meses antes para não ter essa discussão.
Aliás, eu defendo qualquer ação que vá beneficiar a sociedade de forma geral, seja a civil, a industrial ou qualquer uma, que seja feita no momento. Isso vale para qualquer tipo de articulação que o governo tenha que fazer gestão. E eu gostaria que as pessoas passassem a entender, se eu vou ser redundante nisso, todo esse dinheiro é nosso.
Eles não têm um centavo lá, a não ser a parte deles igual ou menor a de quem contribui mais de alguma forma. Então ele não tem que falar ‘ah, eu inaugurei uma ponte’. Não! ‘Eu vou inaugurar a ponte com o seu dinheiro, viu? Só estou aqui como teu representante. Olha, eu vou fazer isso aqui, o parcelamento com o seu dinheiro, viu? Estou aqui como o representante’.
Por isso que eu defendi o PPI naquele momento. E eu sou totalmente governo. Eu acho que isso é uma coisa que eu gostaria que deixasse claro para a sociedade como um todo. O CIESP, dentro da minha gestão, é governo. Se hoje é o Lucas, eu estou com o Lucas. Se antes era o Guti, eu estava com o Guti. Se antes era o Almeida, eu estava com o Almeida.
Eu quero é que eles respondam as nossas demandas de uma forma mais ágil e da melhor forma que for possível dentro das condições do governo que eles tiverem.
Guarulhos Todo Dia – Início da gestão Lucas Sanches. Você disse que ainda não conversou com o atual prefeito, mas gostaria de saber quais as demandas prioritárias que o CIESP tem para os próximos anos em Guarulhos.
Maurício Colin (CIESP) – Eu acho que Guarulhos tem alguns problemas que são crônicos. Eu acho que a cidade já sofre com isso há vários governos anteriores e assim, parece que sempre é dada a solução momentânea, parcial, paliativa, como um band-aid no negócio, um remedinho caseiro, que é a questão da zeladoria da cidade. Sofre-se muito com a zeladoria. E eu normalmente penso assim: qual é a maior necessidade de uma indústria? É o seu colaborador.
O que eu preciso? Eu preciso ter bons colaboradores, colaboradores saudáveis, colaboradores com a mente descansada, sem grandes problemas em casa. Tudo isso vai melhorar o meu ambiente industrial, vai melhorar a minha produtividade. Equipamento a gente compra, pessoas não. Satisfação não. Tem um contexto muito maior aí. E aí eu acho que o governo nosso peca nisso.
O governo deveria cobrar mais o saneamento. Eu tô dizendo isso porque você perguntou para indústria. Para mim, é o todo. A indústria acaba sofrendo com o todo. Não adianta eu ter a minha rua asfaltada como industrial e o meu empregado morando num lugar onde sequer tem o saneamento básico. Ele vai chegar lá cansado, chateado, irritado, preocupado com o filho dele.
O que eu cobraria do governo? Que ele desse uma olhada pra isso, que ele cobrasse a Sabesp, que a Sabesp fosse atrás de acelerar o saneamento em Guarulhos. ‘Ah, mas nós já subimos. Eu peguei a cidade com 2%, agora eu tô com 18%’. Dane- se! Eu quero 100%. Eu quero saber quando você vai fazer 100%, não que você chegou no 18%. Então, eu acho que o governo precisaria cobrar isso.
Segundo, que o governo passe a olhar melhor locais como agora, por exemplo, a Vila Any. Onde você tem uma condição muito ruim. Vem vindo pra dentro da cidade. Se o governo pensasse nisso, que se ele trabalhasse muito aquilo que está muito ruim, primeiro é fácil. Porque aquelas pessoas querem o básico. Aí ele vem vindo, isso vai trazer melhora pro todo.
Agora ele fica centrado num centrinho. Então eu acho que o Guarulhos precisa disso. Uma melhor zeladoria. Uma melhor gestão sobre o saneamento básico e as questões mais básicas. Não vou ficar repetindo aqui do posto de saúde. Tem gente que tá morando à beira de córrego a céu aberto. Esse cara às vezes não vem nem procurar hospital. Ele tá doente lá, se tratando lá. Então acho que o governo precisaria melhorar um pouco nesse sentido. Eu acho que é isso que falta, que vai ajudar a indústria. Na indústria, acaba que no nosso dia a dia a gente quer mais do governo a logística e a segurança. São vias melhores asfaltas e segurança.
Espero que o governo faça um bom trabalho, eu vou continuar respeitando e mandando o meu recado que eu sou governo, o que ele precisar de mim eu vou sempre querer agregar e ajudar. Eu sempre gosto de criticar no bastidor, pessoalmente, e elogiar publicamente. Eu acho que é muito mais fácil a gente lidar com os problemas do que ficar fazendo estardalhaços. Então é isso que eu espero do próximo governo, que ele foque mais nisso.
O governo tem um grande desafio, mas também uma grande oportunidade. Ele vai pegar uma cidade num momento pujante, a gente vai gerar impostos, a gente vai gerar riqueza e se o governo usar essa riqueza com sabedoria, a gente vai ter uma cidade bem melhor.