Se coloque na pele de um garoto por volta dos seus 15 anos morador do Taboão, em Guarulhos, que chega ao Centro de São Paulo depois de uma viagem de ônibus de mais de duas horas. Ele desembarca no Parque D. Pedro II, ali perto do Mercadão. Não esse Mercadão “gourmet” de hoje, que já apareceu até em novelas, com seus exagerados sanduíches de mortadela e pastéis de bacalhau. Um Mercadão que na época estava em decadência e sob ameaça de demolição, depois que boa parte dos seus clientes migraram para o Ceasa.
O garoto, junto com o pai, sai do terminal de ônibus e sobe a Ladeira General Carneiro, em direção à Praça da Sé. O jovem vai para o seu primeiro dia de trabalho. A maioria das lojas da General Carneiro tem locutores com caixas de som, para chamar os clientes. Eles brincam com quem passa e, claro, incentivados pelo pai, mexem com o garoto tímido.
Ao final da subida, os dois chegam à rua Boa Vista, andam um pouco pelas ruas Direita e Venceslau Brás, até chegar à Sé. O garoto fica impressionado com o tamanho da catedral e com a própria praça, com seus espelhos d’água e esculturas. Tudo ainda novo, resultado da grande reforma na área, para a construção da Estação Sé do Metrô.
E, mais do que o lugar, ele se impressiona com a quantidade de pessoas. É muita gente, andando rápido. Na praça, muitas rodas de pessoas. Algumas em volta de pastores, que pregavam aos gritos. Em outras, malabaristas estavam no centro da roda. E tinha também os vendedores de remédios, com promessas de cura que iam de unha encravada até tuberculose.
O Centro de São Paulo daquela época, só começava a ser abandonado pelas empresas, que migravam para a avenida Paulista. Ninguém fazia ideia de que algumas décadas depois, a Paulista seria trocada pela avenida Faria Lima. Mas naquele dia, as lojas, os bares e restaurantes do Centro ainda estavam cheios de gente. A rua Direita, então, vivia lotada. A unidade das Lojas Americanas, com seus três andares, ligava as ruas Direita e José Bonifácio. Parecia um gigante do comércio para o garoto, que ainda iria demorar alguns anos para conhecer um shopping center.
Toda essa descoberta foi possível porque tinha uma linha de ônibus que saia da região da Praça 8 e ia até o Terminal D. Pedro II, no parque do mesmo nome. Uma viagem direta, sem a necessidade de pegar o Metrô. Até porque, na época, boa parte das estações da Linha 3-Vermelha do Metrô estavam em construção e ainda não tinham sido inauguradas. A estação Penha, mais próxima de Guarulhos, por exemplo, só foi inaugurada em 31 de maio de 1986 (aliás, completa 39 anos neste sábado, 31).
Isso tudo me veio à memória enquanto escrevia o texto sobre a suspensão da licitação para a reforma do Parque D. Pedro II, proposta pela Prefeitura de São Paulo. Como eu disse naquele texto, os moradores mais jovens de Guarulhos não têm ideia dessa ligação da cidade com o Parque D. Pedro.
Claro que havia outras formas de se chegar ao Centro de São Paulo. Saindo do Taboão, por exemplo, havia uma linha da empresa de ônibus Vila Galvão, que ia até o novo Terminal Tietê (inaugurado em 1982). Mas era uma linha que atravessava a Vila Galvão e a Zona Norte de São Paulo e que, nos horários de pico, demorava muitas vezes mais de três horas para chegar ao destino.
Pegar a linha da Empresa de Ônibus Guarulhos até o Parque D. Pedro também não era fácil. Ela passava pela Penha e pegava a avenida Celso Garcia. A partir daí, para os passageiros, parecia que a avenida nunca ia acabar, com o trânsito praticamente parado. Até chegar ao Brás e ao já lotado Largo da Concórdia, quando a gente sabia que estava prestes a desembarcar.
Aliás, a imagem que ilustra esse texto é o desenho de um ônibus dessa linha. Um Mercedes-Benz O-362, da Empresa de Ônibus Guarulhos. O desenho é do blog Guarubus-Desenhos, do William-Guarubus, um apaixonado por ônibus e pela história do transporte público de Guarulhos e região. Depois que lembrei da história, lembrei também dele e seus desenhos e pedi autorização para uso da imagem. Espero que ajude aqueles que, como eu, viveram a Guarulhos daquela época. E que, com todas as dificuldades de então, guardaram boas memórias.