O Ministério Público Federal (MPF), em audiência pública realizada em São Paulo em abril, sugeriu o adiamento da cobrança de multas e pontos na carteira de motorista por evasão de pedágio na Rodovia Presidente Dutra (BR-116) a partir do início da operação do sistema free flow (pedágio eletrônico), previsto para o segundo semestre deste ano. A proposta, feita pelo procurador Guilherme Rocha Göpfert, foca no trecho de Guarulhos, na Grande São Paulo.
Nesta terça-feira, 3 de junho de 2025, a Câmara Municipal de Guarulhos também realizará uma audiência pública para debater o novo sistema de cobrança. O vereador Guto Tavares (PDT), presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, se colocou à frente de um movimento que defende a isenção na cobrança do free flow para veículos emplacados em Guarulhos. O evento no Legislativo será uma tentativa de demonstrar à concessionária CCR RioSP a insatisfação dos guarulhenses com a nova tarifa.
A questão é que todos esses debates, pedidos e tentativas de acordo acontecem mais de três anos depois da assinatura do contrato de concessão entre a CCR RioSP e o governo federal, por meio da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), e quase dois anos depois do início das obras no trecho da Dutra que corta a região metropolitana de São Paulo, entre São Paulo e Arujá, passando por Guarulhos. O leilão que definiu a CCR RioSP como a concessionária vencedora aconteceu em 2021 e o contrato foi assinado em março de 2022.
O que isso quer dizer? É que todo o investimento de cerca de R$ 1,4 bilhão para a ampliação das pistas expressas, construção de viadutos, troca de passarelas e a própria implementação dos pórticos de free flow, “vendidos” pela CCR RioSP como um sistema de gerenciamento de tráfego, está sendo feito pela concessionária tendo em vista a cobrança de tarifa nos moldes do que foi acordado em contrato.
Qualquer mudança nas regras do jogo a partir de agora pode causar um desequilíbrio contratual. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o professor da FGV Direito SP e sócio do escritório VLR Valerim Advogados, Luís Felipe Valerim, avaliou que a proposta de isenção das multas e de isenção para um determinado grupo no free flow traz insegurança jurídica ao setor, pois o projeto foi “muito bem maturado, estruturado e debatido”, passando por audiência pública, órgãos de controle e licitação.
É evidente que nenhum guarulhense quer ser cobrado para usar a pista expressa da Via Dutra, sobretudo os moradores de bairros como o Jardim Álamo, Pimentas, Bonsucesso e Cumbica, que precisam percorrer um longo trecho até São Paulo e não querem ter que enfrentar todo o trânsito da local.
A grande questão é que os políticos de Guarulhos, eleitos como representantes da população, não estavam atentos a isso nos anos de 2019, 2020 e 2021, quando esse contrato que prevê o free flow estava sendo formulado e tinha mais possibilidade de ser modificado.
Os moradores de Guarulhos só se deram conta da cobrança de pedágio nas pistas expressas quando começaram a perceber a instalação dos 21 pórticos de free flow ao longo da Via Dutra. Essa instalação teve início no fim de 2024 e somente agora, no fim do primeiro semestre de 2025, a Câmara Municipal entrou no debate desse tema.
E se não fosse o Ministério Público Federal realizar uma audiência pública em abril, talvez a classe política de Guarulhos estaria em silêncio até agora. Foi somente depois do debate no MPF que vereadores e o prefeito Lucas Sanches decidiram se manifestar contra a medida, percebendo que esse posicionamento pode gerar um bom capital político, afinal, como dissemos, nenhum guarulhense quer ser cobrado para usar a Dutra.
Tanto o governo federal quanto o governo estadual de São Paulo têm adotado o free flow nos novos contratos de concessão. Aqui no estado, a gestão Tarcísio de Freitas defende que a nova modalidade de pedágio cria justiça tarifária, por permitir a cobrança por trecho percorrido. No entanto, o aumento no número de pontos de cobrança tem gerado debate em outras cidades paulistas.
Os políticos e a população de Sorocaba, por exemplo, conseguiram fazer o governo de São Paulo reduzir a quantidade de pórticos eletrônicos previstos para as rodovias Raposo Tavares (SP-270), Castello Branco (SP-280), Castelinho (SP-075) e Dr. Celso Charuri (SPA-91/270) de 13 para 9. Essa redução, no entanto, aconteceu após pressão feita poucos meses depois da assinatura do contrato de concessão.
Discussões sobre o atual contrato de concessão
A maior autoridade política de Guarulhos quando o contrato entre o governo federal e a CCR RioSP foi assinado era o ex-prefeito Guti, que não tinha responsabilidade direta em relação a esse contrato, amarrado na esfera federal.
No entanto, Guti publicou um vídeo no início deste ano explicando que o projeto inicial era colocar pedágio em todas as pistas da Via Dutra, mas ele teria pedido ao então presidente Jair Bolsonaro uma alternativa para mudar essa situação, então ficou definido que a expressa seria cobrada com free flow e a local continuaria gratuita.
Vamos colocar exatamente o que Guti disse no vídeo:
“A concessionária queria colocar pedágio em tudo quanto é lugar, nas locais, nas expressas e aí eu liguei para o então presidente Bolsonaro enquanto prefeito e falei: ‘presidente, o guarulhense usa a Dutra como uma grande avenida. E o trabalhador, que utiliza costumeiramente a Dutra, vai ter que pagar todo dia também e aí não vai ter salário no final do mês. O cara vai trabalhar para pagar pedágio’. O presidente foi bastante categórico na hora e falou ‘não vai ter, pode ter certeza disso’ e mandou retirar de todos os projetos esses pedágios free flow na local, restando só na expressa pro cara que quiser andar mais rápido, pro cara que optar pagar o serviço, aí sim ele pode entrar na expressa e pagar sobre o quilômetro rodado. Esses pórticos que você por aí na Dutra é o checkpoint de quando você entra na expressa e de quando você sai, pois você vai pagar sobre o quilômetro rodado. Então, deixando bastante claro, você que utiliza a Dutra e quiser continuar andando na local, não vai pagar nada a mais por isso. Não vai ter free flow na local”.
Guti pode considerar como uma conquista o fato de ter atuado para evitar a cobrança de free flow em todas as pistas da rodovia, afinal a Via Dutra é uma rodovia federal. A questão é que a população, por meio dos vereadores de Guarulhos naquela ocasião, poderia ter sido envolvida no debate. O Guarulhos Todo Dia ainda não existia em 2021, mas veículos de imprensa como o GRU Diário, Click Guarulhos, o Guarulhos Online, o Guarulhos Hoje e CNN Brasil, importante para aumentar o alcance desse tipo de pauta, cobriram o tema. A Agência Infra, inclusive, fez esse registro sobre uma audiência pública realizada no Ciesp.

O que pode ser feito em relação ao pedágio free flow em Guarulhos?
O free flow se tornou um assunto popular porque todo mundo está vendo o que é e o que significa. Para os políticos de Guarulhos, vai ser muito fácil e conveniente surfar nessa onda de rejeição ao pedágio nas pistas expressas agora, mesmo que não se consiga resultados efetivos em relação à cobrança.
A discussão provocada pelo legislativo guarulhense acontece com atraso, mas ainda com alguma possibilidade de sucesso, afinal existe o apoio do MPF e a cobrança aos motoristas ainda não foi iniciada. A CCR RioSP só pode começar a cobrar tarifa depois de entregar as obras na Via Dutra, que estão atrasadas e previstas para serem concluídas no início do segundo semestre.
O procurador do Ministério Público Federal, Guilherme Rocha Göpfert, iniciou um inquérito civil público questionando a forma de cobrança e propondo uma isenção de cinco anos na cobrança de multas, como período de adaptação e espera pela chegada do Metrô à cidade.
O MPF informou que está em tratativa com os demais envolvidos para buscar a adoção da sugestão e outras medidas apresentadas na audiência pública. A procuradoria tentará um acordo extrajudicial para conseguir isenção ou desconto para moradores de Guarulhos e para barrar a cobrança de multa e pontos para motoristas sem tag que não pagarem no prazo. Se a via extrajudicial e de negociação não for bem-sucedida, o procurador pode entrar na Justiça.
Apesar de reconhecer a dificuldade de impedir completamente a cobrança com os pórticos já instalados, o vereador Guto Tavares, eleito para o seu primeiro mandato como vereador no ano passado, afirmou que o objetivo principal da mobilização é “lutar pela isenção para os moradores de Guarulhos” e convocou a população e os demais parlamentares a se unirem na causa, pois “um vereador só não vai resolver isso nunca”. Para Tavares, a inação não é uma opção. “Se vai dar certo eu não sei, mas eu vou lutar até o fim”, declarou em entrevista ao programa Radar de Notícias.
O que dizem a CCR RioSP e a ANTT
A concessionária CCR RioSP afirmou que atua estritamente conforme as diretrizes definidas pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a quem cabe a regulamentação e supervisão do modelo.
“Importante ressaltar que para elaboração do atual contrato de concessão, a ANTT realizou cinco audiências públicas com objetivo de aprimorar o diálogo com a sociedade para receber contribuições às minutas de edital e contrato, sendo que uma das audiências foi realizada na cidade de Guarulhos”, disse a concessionária, em nota à reportagem da Folha de S. Paulo.
A ANTT, por sua vez, declarou estar envolvida nas discussões e em diálogo contínuo com a CCR RioSP e o MPF. A agência entende que a penalidade por evasão de pedágio é importante para garantir a adesão ao sistema e a viabilidade da concessão, conforme previsto no Código de Trânsito Brasileiro e no contrato.
No entanto, a ANTT reconhece que a implantação do free flow deve considerar medidas de adaptação dos usuários e discute a melhor forma de aplicação dessa transição com transparência. Na audiência pública no MPF, o cronograma da ANTT e da CCR RioSP indicaram que os oito primeiros meses de funcionamento do free flow em Guarulhos podem não ter aplicação das multas.
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