A Câmara Municipal aprovou, como parte do pacote de projetos de lei enviado pela Prefeitura, a criação da Loteria Municipal de Guarulhos. Na verdade, trata-se de uma espécie de reedição do projeto, já que Guarulhos foi a primeira cidade brasileira a aprovar a criação de uma loteria municipal, em 2021. A questão é que a lei de 2021 previa que a operação da loteria de Guarulhos seria feita pela própria prefeitura. E a ideia agora é que essa operação seja repassada para uma empresa privada.
O projeto de lei da Prefeitura de Guarulhos foi aprovado por 24 votos a favor e 5 contrários, além de outros cinco vereadores que não votaram. Os cinco vereadores que votaram contra a criação da loteria municipal foram Edmilson Souza (PSOL), Fernanda Curti (PT), Janete Pietá (Rede), Marcelo Seminaldo (PT) e Prof. Rômulo Ornelas (PT). Os vereadores Carlinda Tinôco (Republicanos), Daniel Santos (PP), Gilvan Passos (Republicanos), Pastor Adalberto (Mobiliza) e Welliton Bezerra (PRTB) não votaram. O vereador Rafael Acosta (PSB) consta como ausente na folha de votação.
Vamos ter “Guarubet”?
No texto do projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal, “considera-se modalidade lotérica todas aquelas dispostas em lei federal”. A primeira modalidade lotérica prevista na lei federal é a que distribui prêmios através de sorteios. Essa é a modalidade operada pela Caixa Econômica Federal, com os sorteios da Loteria Federal, Mega Sena, Quina, Dupla Sena e outras opções disponíveis.
Em 2018 foi adicionada a possibilidade das loterias com base em apostas de quota fixa. É o sistema de apostas em que, em caso de acerto, o valor é submetido a fatores de multiplicação. Traduzindo: é o sistema utilizado nas “bets”, em que se aposta um determinado valor e, em caso de acerto, o valor é multiplicado. Quanto mais improvável o resultado (com o apostador assumindo mais riscos de errar), maior o fator de multiplicação.
Portanto, pelo texto da lei, é possível que a Loteria Municipal em Guarulhos tenha tanto o sistema de sorteios quanto o sistema de apostas. Ou seja, Guarulhos pode ter tanto uma espécie de “Sena Municipal” quanto uma “Guarubet”. As duas modalidades estão previstas em leis federais. Dependerá agora da prefeitura, através da futura Secretaria da Receita, definir as modalidades lotéricas que serão adotadas.
Quem vai operar a Loteria Municipal?
De acordo com o projeto de lei, o serviço da Loteria de Guarulhos “será explorado pelo Poder Executivo, por meio do órgão municipal responsável pela receita”. Com a reestruturação do Poder Executivo de Guarulhos, este órgão deve ser a Secretaria Municipal da Receita. Essa é uma das novidades criadas pela reestruturação administrativa da Prefeitura de Guarulhos, outro projeto de lei do pacote enviado pela prefeitura na sexta-feira passada e aprovado pela Câmara nesta segunda-feira (30). A Secretaria da Fazenda será dividida em Secretarias de Finanças e da Receita.
Mas o texto diz ainda que o órgão municipal poderá operar a loteria direta ou indiretamente, mediante concessão, permissão ou autorização, precedida de licitação ou contratação direta, nas hipóteses permitidas em lei”. Ou seja, a operação poderá ser repassada para uma empresa privada. Tanto as modalidades de sorteio quanto as de quota fixa. Nada impede, portanto, que o serviço seja repassado para uma das empresas que têm autorização federal para operar “bets”.
Segundo o texto do projeto de lei, no seu artigo 5º, o operador do serviço de loterias deverá atender às obrigações prescritas nas leis federais “para prevenção das práticas de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo”.
Para onde vai o dinheiro arrecadado?
Após o pagamento dos prêmios e o recolhimento do imposto de renda devido, o saldo resultante da arrecadação, “serão calculados os valores a serem repassados ao Município de Guarulhos, inclusive o valor da outorga variável destinada ao custeio da seguridade social municipal e políticas públicas assistenciais nas áreas de direitos humanos, esporte, cultura, saúde, segurança pública e mobilidade urbana”. A divisão desse valor entre essas áreas ainda será definida pela prefeitura, segundo o texto da lei. Inclusive em relação à parcela que caberá à empresa que eventualmente assuma a operação do serviço lotérico.
Agora, tudo isso depende do STF
Em março deste ano, o partido Solidariedade entrou com uma ação chamada de ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no Supremo Tribunal Federal, contra todas as leis que criaram loterias municipais no país. O partido considera que essas leis são inconstitucionais, pois apenas a União e os Estados poderiam criar loterias, segundo a Constituição Federal. Até a decisão do mérito da questão, o partido pede a suspensão provisória das leis, por meio de liminar.
O ministro Nunes Marques foi sorteado como relator do pedido do Solidariedade. Segundo o registro do processo no site do Supremo Tribunal Federal, autoridades de vários municípios que aprovaram a criação de loterias municipais constam como intimados. Entre eles, o prefeito e a Câmara Municipal de Guarulhos. As autoridades e o procurador-geral, tanto da Prefeitura quanto da Câmara, já teriam sido intimados. Também constam do processo autoridades de várias outras cidades, como Belo Horizonte (MG), São Vicente (SP), Foz do Iguaçu (PR) e Anápolis (GO).
O ministro Nunes Marques ainda não decidiu em relação à concessão de liminar para suspender a validade das leis municipais. A Advocacia Geral da União (AGU já se manifestou no processo, a pedido de Nunes Marques. E a Associação Nacional das Loterias Municipais e Estaduais (Analome) pediu ao STF para ingressar na ação como amicus curiae, para defender a constitucionalidade das leis municipais.
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