A dura rotina de quem enfrenta as filas da Armênia para voltar a Guarulhos

Plataformas descobertas, longa espera, ônibus lotados e filas desorganizadas. Reportagem acompanha uma volta para casa do guarulhense no horário de pico de um dia útil.

João Vitor Reis

redacao@guarulhostododia.com.br

João Vitor Reis/Guarulhos Todo Dia

Publicado em 07/11/2024 às 18:06 / Leia em 10 minutos

É tarde de quarta-feira, clima meio indefinido e sujeito às típicas instabilidades paulistanas. Faço minha viagem de mala, com equipamento fotográfico e guarda-chuva entre a jaqueta de couro e a mochila. A chuva não veio. O tempo é abafado. Apesar de tudo, já me senti mais desconfortável andando com pressa em um horário de pico voltando a Guarulhos na casa das 18h. E é justamente essa hora que vou pegar fila no terminal metropolitano da estação Armênia, que atende linhas com destino a diversos bairros de Guarulhos, além de Arujá e Santa Isabel –três dos quatro municípios do Consórcio Internorte, que também abrange Mairiporã.

Chego à Armênia de Metrô, como uma centena de pessoas que descem da porta do último vagão, com pressa de chegar o quanto antes na espera do “busão”. Dobro as escadas, atravesso a catraca, ignoro o comércio de guloseimas e estou no terminal. É um lugar de filas confusas, regras também. As plataformas A, B e C têm uma longa espera para os transportes da EMTU. Com cobertura ou sem, ocorre certa desorganização sobre para qual linha se destina cada fila.

Seguia para entrar no ônibus 292 (Jd. Angélica via Dutra), na plataforma C, e um rapaz que subia, de outra fila, simplesmente apontou o polegar para trás:

― Para o fim da fila!

Não entendi muito bem, mas depois percebi que a fila que aguardava o micro-ônibus da mesma linha –alternativa para quem procura trajetos mais rápidos– não era a que eu deveria estar, e sim, outra que se formou à minha esquerda.

Era o que explicava a mim a Ana Paula, 42 anos, que trabalha como auxiliar de escritório na Faria Lima há dois anos e mora na região dos Pimentas. “Cada dia é uma regra, moço”, dizia, com sorriso discreto e um pouco nervoso, conformado.

“Na volta é pior, na ida até que é tranquilo”. Ana dava seu ponto de vista.

Mesmo com as obras de melhoria no trecho de Guarulhos na Via Dutra, se mostrou cética. “Nenhuma diferença. Moro há 30 anos lá, nunca foi resolvido nada. Tudo a mesma coisa”.

“São 2 horas ou 2 horas e meia a volta. Pra vir demoro uma hora e meia, mas saio às 5h de casa”, conta. É um horário em que a Dutra está teoricamente tranquila. Se acontece um acidente, um imprevisto, segundo Ana, “descontam as horinhas” de atraso. Ela trabalha em regime CLT.

Via Dutra com faixas bloqueadas em Guarulhos, durante obras de melhorias
Obras na Via Dutra (Foto: CCR/RioSP)

As obras, de responsabilidade da concessionária CCR RioSP, estão com previsão de entrega em março de 2025 e incluem, nos sentidos Rio e São Paulo:

  • As últimas ampliações de acesso no Trevo de Bonsucesso, da região dos Pimentas;
  • Trechos de pistas marginais desde a região de Bonsucesso;
  • Criação de retorno na Jacu-Pêssego;
  • Ampliação das pistas expressas de dois para três rolamentos e construção de pedágios sem guaritas ― conhecido como o sistema free flow;
  • Nas mesmas vias expressas haverão acessos a viadutos que ligarão a BR-116 com a Rodovia Hélio Smidt, na região do CECAP, que dá acesso ao Aeroporto Internacional, e Rodovia Fernão Dias, que faz fronteira com a capital;
  • Tudo isso além do viaduto que ligará a Dutra com a ponte do Tatuapé, já na cidade de São Paulo.

“Quando chove é terrível aqui”

Os mesmos 30 anos sem resoluções na qualidade da mobilidade vistos pela Ana Paula refletem também na plataforma C. “Sempre foi assim aqui, descoberto. Quando chove é terrível aqui”. 

Há, na prática, um contraste na forma de se proteger da chuva no lado sul do Terminal Armênia:

  • Plataforma C – é totalmente descoberta
  • Plataforma B – tem pequenos pontos cobertos, feitos de concreto, lembrando vagamente um pergolado
  • Plataforma A – é plenamente coberta por ser a saída da estação e área comercial recentemente estabelecida

A reportagem entrou em contato tanto com a EMTU quanto com o Metrô para pedir um posicionamento sobre os problemas de organização e estrutura das plataformas do Terminal da estação Armênia. No entanto, o Metrô explicou que “o Terminal Armênia foi concedido para a empresa Unitah e está sob responsabilidade administrativa deles”.

A apuração verificou que a concessão das 13 estações para a Unitah, assinada em 2019 com início em 2020, envolvia 7 projetos edificáveis –caso que não incluía o Terminal Urbano Armênia.

Pouco depois da publicação da reportagem, a assessoria do Metrô respondeu por telefone que não há dados estatísticos anteriores à concessão e que foi informada pela Unitah que não há reclamações a respeito das plataformas A, B e C do Terminal Urbano Armênia. Afirmou que apenas as plataformas A e B estavam previstas no contrato da concessão, a Plataforma C é um reaproveitamento antigo de reposição dos pontos de ônibus, logo, pertencendo à via pública, sendo de responsabilidade da Prefeitura de São Paulo.

A assessoria ainda comentou que o Terminal é ativo desde 1975, como o site do Metrô descreve, e que os acordos entre esferas diferentes empresas públicas e concessões privadas geram o que poderia ser definido como uma “colcha de retalhos”.

Fila de ônibus no Terminal Armênia, em São Paulo (Foto: João Vitor Reis)
A plataforma C, totalmente descoberta (Foto: João Vitor Reis)

De volta à fila da Armênia…

O ônibus demora. Enquanto aguardamos um novo micro-ônibus EMTU, uma senhora idosa pergunta a uma outra, apressada, sobre sua viagem:

― Vai de quê? 

― Eu vou de Vila Any –respondeu, atravessando a rua, sem outra opção que não ignorar a sinalização, que não existe para os pedestres no caminho que ela toma, atravessando pela Avenida Tiradentes.

Com o tempo passando, outras duas senhoras aparecem, uma idosa e outra mulher que estava com um bebê de canguru. Por último, uma grávida. Minutos depois, por cultura de prioridade e assentos preferenciais, Ana Paula não era mais a única à minha frente. A fila deveria estar dando, desde aquele pequeno contratempo, umas 30 pessoas.

São 19h35. O EMTU demorou mais de uma hora pra aparecer… As senhoras reclamavam: 

―Guga, que atraso foi esse? –Guga era o motorista do micro. Perguntei se as obras na Dutra atrapalharam, no que ele falava às senhoras: 

―Não tá fácil, não tá fácil –disse, confirmando com o foco no volante. Emendou que trabalha meio período naquele micro.

(Foto: João Vitor Reis)

Em nota, a EMTU informou que os atrasos registrados no dia da reportagem aconteceram “devido a intenso congestionamento na Rodovia Presidente Dutra e faixas bloqueadas em razão de obras na pista expressa”.

“Importante ressaltar que fatores externos, como trânsito, obras, alagamentos e acidentes são determinantes para a operação e podem comprometer o cumprimento dos horários das viagens, causando atrasos. Os passageiros podem consultar informações das linhas e programação horária pelo site www.emtu.sp.gov.br ou pelo App EMTU Oficial, onde também é possível acompanhar os ônibus em tempo real”, informou a empresa.

No ônibus…

Assentos garantidos, pedi a licença para sentar ao lado de Ana, que ficou no “fundão”, à direita. Ana Paula Faustino da Silva começou a trabalhar aos 15, como vendedora; que também já encarou por um bom tempo o trabalho em hospital, em escala 6×1. “Nunca mais. Mudei de área por conta disso”, disse. É mãe de duas filhas, com idades de 23 e 17 anos. Vieram cedo. Seu alívio é a menor urgência no cuidado e atenção, já que são ambas praticamente maiores.

Outro alívio, já que deixei-a descansar, foi a de Ana recostar a cabeça na janela e ouvir um som romântico no Spotify. À minha esquerda, outra senhora dormia; diante de mim, de pé, também tentava descansar uma outra senhora de uniforme: sua bolsa repousava junto com Ana. No meu colo, a mochila de uma jovem com seu smartphone. No vaivém do transporte público predominam mulheres estudantes e trabalhadoras.

De repente, tudo escuro no ônibus. Às vezes, acontece de viajar na Dutra assim.

Ônibus da EMTU que sai da estação Armênia em direção a Guarulhos
(Foto: João Vitor Reis)

A rodovia fica escura em certos trechos: as obras das alças, faixas de rolamento e pedágios da CCR estão segurando a viagem. O trecho anda lento nessas horas. A luz voltou… E o fluxo normalizou.

A situação me fez lembrar que problemas crônicos, como o afunilamento do Km 222, mais conhecido “o trecho da Aché e da Maggion”, não ficam no caminho desse micro, pegando a via expressa. É a desgastante rotina presente entre as linhas convencionais da EMTU e linhas municipais. Porém, as obras estão levando o micro às pistas marginais, não muito depois da “altura da Toddy” (Km 220, há um posto de gasolina no sentido Rio).

― Terra boa! Churrascaria! Desce alguém?? –Os alertas do cobrador começam. Eles muito raramente trabalham sentados. Até mesmo oferecem o lugar.

Na Dutra, vão sendo montadas as passarelas, os muros. A paisagem, jeito para o guarulhense saber onde está na sua viagem, ficou menos visível, mais cinza. A quebrada se esconde, mas as fábricas, logísticas, atacados e paradas que pagam pelo terreno ainda ajudam. 

― Karina desce! –Um passageiro responde o chamado.

O pixo, centímetro por centímetro, decora a via sem deixar quase nenhum espaço limpo. Serviço quase impecável. Se não há paisagem, temos, mensagens e assinaturas. Tem algo de protesto, aqui e ali. Tempo para conseguir ler? Talvez, para alguém com hiperfoco, certeza. Talvez…

A viagem até foi rápida, felizmente. Triste foi a espera. Já passam das 20h. Quase chegando ao meu ponto. Saímos da Dutra. Em vez da descida até a Estrada JK, a alternativa é pela Rua Ilha Bela. 

―Rato? ― Enfim chega o ponto. Trata-se de uma padaria.

―Desce!

Desci, agradeci, me despedi da Ana. Ela ainda iria até o Silvestre, o meu caminho era pelo Nações, dois pedaços diferentes do Pimentas. Pedaços diferentes, mas com o mesmo abismo de três horas de distância para quem sai de São Paulo no horário de pico.

Última atualização deste texto: 8/11/2024, às 12h10


*João Vitor Reis é jornalista formado pela Unesp Bauru e já colaborou com publicações como Agência Mural e Folha de S.Paulo.

Esse texto é o primeiro de uma série de reportagens que o Guarulhos Todo Dia vai publicar sobre “A dura rotina” de quem mora em Guarulhos, trabalha em São Paulo e depende do transporte público.


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