A Praça IV Centenário em Guarulhos: o abandono no lugar do uso

Artigo de Danilo Ramalho, que é membro do Conselho Municipal de Turismo, aponta os problemas e as soluções para praça na região central da cidade.

Redação Guarulhos Todo Dia

redacao@guarulhostododia.com.br

(Foto: Bueno Drone/Guarulhos Todo Dia)

Publicado em 18/02/2025 às 15:39 / Leia em 10 minutos

Tem uma pergunta que já passou pela cabeça de quase todo guarulhense que tenha circulado pelo centro da cidade: por que a Praça do IV Centenário está tão abandonada? Por que lá, um local bonito e central, se formou uma mini cracolândia? Por que os patrimônios históricos, o calçamento e o paisagismo são tão mal cuidados pela Prefeitura de Guarulhos? Sim, a Praça IV Centenário é apenas um sintoma escancarado da incompetência do poder municipal em cuidar de um espaço público.

Tenho feito essa reflexão há inúmeros anos em debates com o Conselho Municipal de Turismo, com vários secretários e autoridades da cidade. Até hoje, não tivemos nenhuma resposta satisfatória.

A Praça do IV Centenário é rodeada de nove hotéis, duas universidades, um centro comercial, mais de 20 bares e restaurantes, prédios residenciais e comerciais pujantes. No entanto, o seu estado de abandono é latente. Era para ali ser um cartão postal e hoje o seu retrato é de um banheiro público a céu aberto.

O que está faltando para que alguém tome providência? Será que um dia será seguro ficar na praça, brincar no parquinho, contemplar os patrimônios históricos, ou mesmo poder atravessá-la à noite sem medo de ser assaltado. A Praça IV Centenário tem jeito e isso é que me motiva a escrever este artigo aqui no Guarulhos Todo Dia.

Conflito de competência

Umas das razões várias citadas é que a Praça tem vários “donos” e nenhum gestor. À Secretaria do Meio Ambiente cabe a manutenção e paisagismo; à Secretaria da Cultura cabe a gestão dos patrimônios; à Secretaria de Assistência Social cabe o cuidado às pessoas em vulnerabilidade; à Secretaria de Segurança zelar pelo ambiente seguro; à Secretaria de Transporte e Trânsito zelar pelo tráfego em ações e eventos; e à Secretaria de Obras pela manutenção do calçamento. Parece que não é falta de gente para cuidar, porém estas forças agem desarticuladas e pontualmente.

Há projetos parados em várias delas. No Meio Ambiente já houve um projeto de paisagismo novo e reconstrução dos espaços, na Cultura deve haver mil visões sobre o que se fazer com o patrimônio. No Departamento de Turismo tem vários projetos, inclusive de concessão de espaços, mas até hoje nenhum andou pra frente. A única coisa que ainda ajudava a preservar a praça era um eficiente posto da Guarda Civil, que foi desmantelado logo no primeiro ano da gestão Guti. As gestões de Elói Pietá e Sebastião Almeida tiveram vários projetos desenhados. Porém, nos seus 16 anos no poder, nada fizeram de concreto –a não ser uma ou outra pintada de guia.

A última intervenção efetiva no local é a construção do atual prédio da Guarda Civil Municipal (GCM), obra anunciada no último mês de Guti e que ocupará uma grande parte do espaço físico da praça, mas que se encontra atualmente parada. Resolver seu estado de abandono ficou para a gestão Lucas Sanches atuar. O prédio da guarda, na verdade um trambolho, será bem-vindo quando concluído. Segurança é um tema fundamental para melhorar o espaço, mas pergunto: será mesmo que precisava de um prédio inteiro para essa função num local tão nobre da cidade?

Praça IV Centenário, em Guarulhos, terá uma base da GCM. Obras começaram
Projeto de prédio para base de Inspetoria da Guarda Civil Municipal, na IV Centenário

O conflito de competência se resolverá quando alguém tiver um projeto viável e que possa resultar na revitalização completa da IV Centenário. No mundo ideal, poderia ser bem gerido por uma pasta como o Turismo, que tem uma visão interdisciplinar e poderia agregar vários setores, mas a cidade ainda precisa criar uma coordenadoria ou secretaria se quiser que o turismo seja um dia levado a sério, algo que ainda não é pela gestão pública –um tema já fruto de vários artigos também.

Visão e soluções para o futuro da IV Centenário

Então, está faltando alguém assumir a responsabilidade por completo. O que fazer? E a resposta não é tão simples. Primeiramente porque uma gestão e governo define suas prioridades: quais áreas devem ser focadas? É bem verdade que o cobertor do orçamento público é curto. Guarulhos só fica com 10% de toda a sua riqueza. Boa parte de tudo o que arrecadamos vai para Brasília e para o governo do estado, mas a conta não volta nessa mesma proporção.

Estamos falando de uma praça que numa cidade que certamente tem mais de 1.400 praças, que também precisam ser gerenciadas pelas mesmas secretarias mencionadas acima. Mesmo com o programa Adote uma Área Verde, há inúmeros casos de sucesso e outros de insucesso, mas até hoje não se adotou nos logradouros maiores alguma solução para a IV Centenário.

Foto da IV Centenário
(Foto de Arquivo: Diego Secco/PMG)

A pergunta correta é: o turismo é uma atividade econômica relevante? O Centro da cidade pujante é uma prioridade ou a atenção deve se dirigir a outros bairros? É difícil só de pensar o tamanho do desafio de Guarulhos, contudo há exemplos de cidades no Brasil, e mesmo aqui de vizinhas, que já superaram esse dilema. A gente não precisa resolver todos os lugares da cidade para depois ter que cuidar do Centro. A gente não pode esperar que se resolva tudo, para um dia se colocar olhares e ações mais dirigidas a Praça IV Centenário.

A praça é um monumento icônico da nossa história, tem viabilidade econômica, boa parte da infraestrutura necessária já está consolidada e poderia ser muito bem priorizada sem juízo a outros bairros menos assistidos.

Gosto de citar o exemplo máximo do Rio de Janeiro. A cidade passa por um caos social completo, zona de guerra, narcotráfico internacional, corrupção, má gestão e por aí vai… contudo, todavia, no entanto, ela não deixa de trabalhar o turismo. O Rio investe no turismo, seja em campanhas, seja no fomento, seja na valorização das áreas turísticas. É um forte destino de evento, e asseguro que é possível fazer turismo no Rio, aproveitar a cidade maravilhosa e passar ileso aos seus problemas. Milhões de turistas fazem isso todos os anos. Agora, imagine se a prefeitura parasse de investir em áreas turísticas, na promoção do turismo do Rio? É a economia que ainda segura a cidade. E este é o ponto de atenção para nossa Guarulhos. O quanto o município não arrecadaria de impostos, economizaria em programas se o seu Centro estivesse a pleno vapor? Mais do que uma mudança de visão, isso é um apelo.

IV Centenário, em Guarulhos, precisa de revitalização e não apenas de reforma
(Foto: Visite GRU)

A praça precisa de PLACEMAKING

Os espaços urbanos em degradação podem passar por três processos de mudança: revitalização, requalificação e reabilitação. A Praça IV Centenário precisa mais do primeiro. Revitalizar é levar vida a um lugar. A praça precisa de gente, ser ocupada, este é o principal objetivo de sua restauração. Levar vidas, levar pessoas, gera segurança, gera economia. Não adianta pensar na praça como um objeto a ser requalificado ou reabilitado. Não adianta reformar a praça.

O principal objetivo deve ser ocupar a praça, cuidar do uso do espaço público. Só com o uso teremos uma praça revitalizada. Veja só o exemplo dos últimos anos: a locomotiva, patrimônio histórico ali presente, foi restaurada –fizeram a repintura e foi requalificada, no entanto tiveram que por guard rail de proteção ao seu redor para que não fosse deteriorada novamente. Só limpar, só cuidar, não adianta. É preciso atividade e pessoas circulando para vigiar constantemente o espaço e usá-lo. Criar novas grades não ajuda em nada.

O termo conceitual para essa transformação chama-se Placemaking, que no conceito é a transformação de espaços públicos em locais de encontros, com trocas sociais e econômicas.

Sei bem sobre isso, pois em 2014 fizemos a primeira intervenção neste conceito. Foi o programa #AgoraéPraça, do GRU Convention. Juntando a comunidade, pessoas e empresas foi possível ocupar a praça e mostrar o quão viável e como ela se transforma pelo uso, um dia de atividades de limpeza e de curtição do espaço. O #AgoraéPraça, que teve sua edição maior de cinco dias com o #AgoraéNatal, comprovou que é viável ocupar o espaço.

Posso citar que ao longo dos anos vários outros eventos chegaram por lá, tais como: o Sabores da Praça, o Donna Gourmet, os festivais da AACR e todos tiveram seus momentos de sucesso e viabilidade. Contudo, evento não transforma. Evento não é permanente. A praça precisa de uso constante e regular. A Feira Orgânica que acontece aos domingos é um exemplo interessante que ali ocorre, mas pouco fomentado.

Por isso seria tão importante projetos que ocupassem a Casa Amarela ou a Antiga Estação para que pessoas circulassem mais por lá. As soluções são inúmeras: cafés, floricultura, museu, central de informação turística, restaurante, comércio. É a forma de trazer vida ao espaço. Quando aqui endosso uso, estou falando do uso turístico. Montar um posto da guarda simplesmente não vai revitalizar o local, haja vista a experiência em outra praça importante a Getúlio Vargas. A central de monitoramento da cidade está lá e nem por isso a praça virou um local de lazer, passeio público.

Por óbvio não faltarão dificuldades burocráticas, mas olhemos praças e logradouros de sucesso no Brasil que já deram certo. Um conselho rápido: visite a praça central de Guararema, aqui do nosso lado. A prefeitura fez sua parte, a iniciativa privada com restaurantes, sorveteria, lojinhas fizeram a outra. A praça é um cartão postal e fonte de recursos para o setor público.

Praça do Coreto, no centro de Guararema, um bom exemplo para Guarulhos
Praça do Coreto, no centro de Guararema, um bom exemplo para Guarulhos (Fotos: Prefeitura de Guararema)

Parceria, sem afetação

Definido quem tocará o barco é hora de usar todo o networking presente e motivar as empresas ao redor. Sem melindre e vaidade de secretário, sem um ou outro brigar por protagonismo, a hora é de juntar forças. No entorno temos posto de gasolina, supermercado atacadista, indústria, faculdades, grandes condomínios e hotéis com total interesse em colaborar.

Vou citar só o exemplo do Hotel Mercure Guarulhos Aeroporto. Ele está ali do lado e adotou um pedaço da praça IV Centenário, na Rua Barão de Mauá. Com uma parceria com o artista Gilmar Pinna, o evento do Ponto KA: Sabores da Praça realizado no local, trouxe um legado permanente. Um dos poucos exemplos de evento que deixa legado. Virou um local de visitação, bem mantido e ponto de parada de turistas do próprio hotel. Contudo é constantemente ameaçado pelo entorno não cuidado que não segue o seu modelo.

Vamos priorizar a IV Centenário e, quem sabe a Praça que foi criada quando Guarulhos fez seus 400 anos, possa representar o futuro promissor que a espera.


Danilo Ramalho, do GRU Convention e Visite GRU

*Artigo de Danilo Ramalho, que é diretor executivo do GRU Convention e membro do Conselho Municipal do Turismo de Guarulhos.

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