Quem passa pelo cruzamento das ruas Conde Francisco Matarazzo com a Dr. Miguel Vieira Ferreira, no Jardim Zaira, repara no imponente prédio de 10 andares abandonado em meio a condomínios de alto padrão. Localizado em uma região nobre de Guarulhos, próximo a uma grande academia, clube de professores, hortifruti e clínicas médicas, o chamado Edifício Maísa nunca teve moradores. As obras foram paralisadas em 1998 por decisão judicial e nunca mais retomadas.
A guerra judicial continua enquanto o tempo corrói a construção, que colocaria 40 apartamentos no mercado imobiliário. As paredes estão todas pichadas e a garagem subterrânea totalmente alagada, com água até o teto. No entanto, não existem focos de dengue no local. A Prefeitura tem as chaves do empreendimento e é a responsável por evitar que a situação de abandono cause transtornos aos moradores da região, como já aconteceu anos atrás.
Ao Guarulhos Todo Dia, a Prefeitura de Guarulhos explica que o CCZ (Centro de Controle de Zoonoses) acompanha a cada dois meses a situação do imóvel. “A última vistoria aconteceu em 12 de abril, com a realização de ações pertinentes de controle e prevenção”, informa a Secretaria de Saúde. Além disso, os técnicos do CCZ soltaram peixes larvófagos no lago que se formou na garagem subterrânea. “[Os peixes] são usados exatamente no controle biológico das larvas dos mosquitos, não só do Aedes Aegypti como também dos pernilongos”, diz a nota.
Confira abaixo imagens exclusivas feitas pela reportagem do Guarulhos Todo Dia em parceria com o canal Bueno Drone. Veja no vídeo a atual situação do Edifício Maisa:
Por que a obra parou e o Edifício Maisa não foi entregue?
A dona do empreendimento é a empresa Consmac Indústria, Comércio e Construção LTDA, fundada em 1987 para atuar com incorporação, compra/venda de imóveis e construção civil em geral. Em 1997, o Edifício Maisa teve o alvará concedido. Aquele ano era o primeiro do novo mandato do então prefeito de Guarulhos, Néfi Tales (1938-2003). E Néfi Tales era um dos sócios da Consmac.
Em setembro de 1998, o político foi afastado do cargo. Alvo de investigações do Ministério Público, que o acusou de enriquecimento ilícito e improbidade administrativa, Néfi Tales teve todos os seus bens bloqueados. E um desses bens era justamente o Edifício Maísa, que teve as obras paralisadas. A Câmara Municipal cassou o mandato de Néfi Tales. O vice-prefeito Jovino Cândido da Silva, do PV, assumiu o posto.
Em 2000, Néfi Tales chegou a ficar 52 dias preso. De acordo com o Ministério Público, o político teria participado de um esquema de superfaturamento que provocou um prejuízo de R$ 14 milhões aos cofres públicos de Guarulhos entre 1997 e 1998. Néfi sempre negou irregularidades durante sua gestão e afirmava ter sofrido perseguição de adversários políticos. O político morreu em 2003, vítima de insuficiência renal. A guerra judicial, no entanto, continuou.
Briga judicial
A Consmac nunca voltou a receber autorização para retomar a obra do Edifício Maisa. A Justiça colocou a Prefeitura de Guarulhos como fiel depositária do imóvel, ou seja, o Poder Executivo tem como dever realizar a manutenção e manter o local seguro. Além do trabalho de prevenção contra mosquitos da dengue, o poder público já precisou agir para evitar que o local virasse um ponto de uso de drogas.
Questionada pelo Guarulhos Todo Dia, a prefeitura informou que não há perspectivas para o prédio abandonado do Jardim Zaira. “Ainda há pendências judiciais com relação ao imóvel em questão. Há, no momento, um recurso da família que é proprietária do local tramitando pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.”
Entenda o uso do peixe antidengue
A medida adotada pelo Poder Executivo guarulhense para controlar focos de dengue na garagem alagada do Edifício Maisa tem eficácia comprovada. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), inclusive, desenvolve a iniciativa que diminui a ocorrência do mosquito Aedes aegypti, responsável pela proliferação de doenças como dengue, zika e chikungunya.
“A medida também tem impactos socioeconômicos e ambientais, uma vez que o controle químico é mais oneroso e tem efeito cumulativo e mutagênico nos organismos vivos, pessoas e biodiversidade”, afirma o o pesquisador Luiz Carlos Guilherme, da Embrapa Cocais, em entrevista ao Globo Rural. O especialista coordenou o estudo, realizado em 2001, para evitar que aquários e tanques se tornassem possíveis criadouros de mosquitos.
Soltam os peixes em lugares onde o veneno não é eficaz. Fora a garagem alagada do prédio abandonado de Guarulhos, os bichos também têm função em lagoas de tratamento e estabilização de efluentes de algumas indústrias, em bebedouros de animais, piscinas desativadas, cascatas e outros ambientes semelhantes.
Cidades como Santos, Ilhabela, Rio de Janeiro e Alfenas também já falaram sobre o uso desses peixinhos para realizar controle da dengue. Os animais, também conhecidos como “barrigudinhos”, tem apenas 5 cm de comprimento. Eles são escolhidos por serem mais resistentes a variações de temperatura e à poluição orgânica da água. O seu tamanho pequeno também pode favorecer a movimentação em locais estreitos devido à vegetação ou ao acúmulo de lixo.
“Ao serem colocados em piscinas sem uso, os peixes se reproduzem rapidamente. A larva é a fase jovem do mosquito transmissor da dengue e o seu desenvolvimento acontece inicialmente dentro d’água. O barrigudinho é selecionado como método de controle biológico justamente porque ele tem preferência pelas larvas do mosquito em relação a outros alimentos. É uma estratégia muito eficaz no controle do Aedes aegypti e ambientalmente correta, uma vez que dispensa o uso de produtos químicos nesses locais”.
Ana Paula Favoreto, chefe técnica do Setor de Controle de Vetores de Santos-SP
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