Guarulhos tem um laboratório com equipamentos de ponta para pesquisar os tratamentos de doenças negligenciadas, enfermidades que atingem principalmente a população mais pobre e com acesso escasso a saneamento básico. São doenças causadas por vírus, bactérias, protozoários e vermes. E quem montou o Núcleo de Pesquisas de Doenças Negligenciadas (NPDN) aqui na cidade foi o guarulhense Josué de Moraes.
Sanitarista, bioquímico e matemático, o pesquisador cresceu na periferia de Guarulhos, estudou em uma escola estadual no Jardim São Domingos e ingressou na USP (Universidade de São Paulo), onde fez a sua formação e depois se tornou Mestre e Doutor. O trabalho conduzido aqui no município o colocou entre os cientistas mais influentes do mundo em 2024, na lista divulgada recentemente pela Universidade de Stanford (EUA).
O Guarulhos Todo Dia visitou o Núcleo de Pesquisas de Doenças Negligenciadas, que fica na UNG (Universidade Guarulhos), e conversou com o professor Josué.
“Minha mãe é nordestina e veio aqui para São Paulo muito cedo. Eu nasci na periferia de Guarulhos, sou guarulhense de nascença e moradia. Cresci no Jardim São Domingos, na região do Taboão, estudei na Escola Estadual Padre Antônio Velasco Aragon. O lugar onde eu estudava quando criança só tinha escola até o Ensino Fundamental. Para fazer o Ensino Médio, você tinha que se deslocar e já era muito difícil. Mas eu estudei e já foi uma vitória eu estudar na USP. Na época, fui informado pela prefeitura que eu fui o primeiro da região a estudar numa universidade pública. A vitória já começa por aí”, diz.
Doenças negligenciadas
Josué de Moraes começou a se interessar (ou melhor, se apaixonar) pelo tema de doenças negligenciadas ainda aos seis anos de idade, depois de ler um gibi do Chico Bento, de Maurício de Souza, com uma história sobre malária. Fez graduação, iniciação científica e entrou na área de pesquisas a partir do Mestrado. No Doutorado, consolidou a linha de pesquisas no desenvolvimento de farmácos.
Em 2014, montou o Núcleo de Pesquisas de Doenças Negligenciadas. Dois anos depois, foi convidado pela UNG a integrar o grupo de pesquisa, fazer parte do programa de pós-graduação e orientar alunos de graduação, mestrado e doutorado. Na Universidade de Guarulhos, encontrou espaço para ter o laboratório de pesquisas.
“As doenças parasitárias afetam justamente a população mais esquecida, indivíduos socioeconomicamente fragilizados. Esses foi um dos motivos que me incentivou a trabalhar com doenças parasitárias. Minha formação toda foi na escola pública, então eu pensei em dar um retorno para a sociedade”
Josué de Moraes, cientista e professor da UNG
Doença de Chagas, malária, leishmaniose, esquistossomose e hanseníase são algumas das doenças negligenciadas. Cerca de 2 bilhões de pessoas são afetadas no mundo por essas enfermidades.
Em 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um plano de ação para erradicar ou controlar, até 2030, 20 doenças que afetam uma em cada cinco pessoas no mundo e matam cerca de 500 mil pessoas por ano, a maioria pobre –dificilmente a meta desse plano será cumprida, mas locais como o Núcleo de Pesquisas de Doenças Negligenciadas da UNG tem como missão descobrir tratamentos para o controle de verminoses.
“Durante esses oito anos, nós já testamos muitas substâncias da biodiversidade brasileira. Felizmente, nós temos muitos casos de sucesso, não só gerando um conhecimento em relação à produção científica e formação de recursos humanos, mas contribuindo diretamente para o tratamento dessas doenças”, diz o professor.
Um exemplo de pesquisa de sucesso foi desenvolvida com o própolis. “Nós sabemos que algumas comunidades indígenas, por exemplo, usam o própolis para tratamento de diarreia e dor de barriga, que tem tuda a ver com verminose. Então nós verificamos se a própolis tinha essa ação antiparasitária. Pegamos a própolis, fizemos estudos laboratoriais in vitro diretamente no parasita e fizemos estudos em modelos animais, então mostramos o potencial da própolis para o tratamento de verminoses”.
Cientistas mais influentes do mundo
Nos últimos cinco anos (2020, 2021, 2022, 2023 e 2024), Moraes apareceu na lista, elaborada pela Universidade de Stanford, de cientistas que conduziram pesquisas de impacto em sua respectiva área de atuação. Ser mencionado nessa lista significa estar entre os pesquisadores mais influentes do mundo.
“O meu nome estar na lista dos cientistas mais influentes do mundo é uma grande honra”, comemora o guarulhense especializado em Doenças Infecciosas e Parasitárias. Além de ministrar aulas e realizar pesquisas, atualmente Moraes exerce o cargo de Diretor-Executivo da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (ACIESP, gestão 2023-2026), representa a Sociedade Brasileira de Parasitologia (SBP) no Estado de São Paulo e é membro da American Chemical Society (ACS).
Ele cita a importância da equipe que trabalha com ele, do apoio institucional da UNG e também dos alunos.
“Nós recebemos uma ampla variedade não só de alunos como também de pesquisadores, hoje nós temos muitas colaborações. Além de Estados Unidos e Europa, que é o mais comum, hoje também colaboramos com países da África e da Ásia. Isso até demonstra o potencial do Brasil na Ciência. Apesar de os investimentos do Brasil na Ciência ainda estarem muito aquém, o Brasil tem grupos de excelência e eu sinto orgulho de ter um laboratório com essa estrutura, de ter o apoio institucional e de ter grandes grupos colaborando para podermos produzir conhecimento e ajudar a sociedade”.
Josué de Moraes
Além do professor Josué de Moraes, que atua no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, a Universidade Guarulhos teve outros três professores mencionados na lista da Universidade de Stanford: doutora Magda Feres, o doutor Jamil Shibli Awad e o doutor João Gabriel Souza –todos do Programa de Pós-Graduação em Odontologia.
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