O Casarão Saraceni e a política em Guarulhos

Artigo de Danilo Ramalho, que é membro do Conselho Municipal de Turismo, esteve no início da AAPAH e atualmente atua como Diretor Executivo do GRU Convention.

Redação Guarulhos Todo Dia

redacao@guarulhostododia.com.br

AAPAH

Publicado em 16/02/2025 às 11:13 / Leia em 6 minutos

No final de 2024, tivemos a notícia de políticos importantes de Guarulhos, ex-vereadores e ex-prefeitos, foram condenados pela Justiça Estadual a perder os seus direitos políticos por conta do processo que levou ao destombamento do Casarão Saraceni. Uma das figuras mais proeminentes na lista de citados, o ex-prefeito Guti, indignado com a condenação, chegou a gravar um vídeo em suas redes sociais dizendo que votou a favor na época pelo destombamento e votaria novamente porque a cidade precisa avançar e se desenvolver. Foi uma declaração intempestiva a fim de responder ao seu público, mas que revela muito sobre o pensamento da classe política guarulhense.

Vamos contar a história. O Casarão Saraceni foi um patrimônio histórico tombado na cidade. Pertencente a uma família de industriais, ali foi sede de uma indústria de sandálias e polainas. Seu estilo em art nouveau e a história dos primeiros movimentos industriais da cidade contam um pouco de como Guarulhos se desenvolveu. No seu entorno, havia ainda casas menores onde moravam os operários da fábrica, constituindo uma relação muito profícua entre os trabalhadores e os patrões da Saraceni. Havia até escola para os filhos dos trabalhadores da fábrica. A casa anteriormente tinha sido sede de uma fazenda. Muitos anos depois, seu terreno foi incorporado ao complexo do Internacional Shopping Guarulhos.

Vou contar alguns detalhes que presenciei no processo desse destombamento, posso errar em alguma minúcia, mas o enredo foi este. Tudo começou em 2009, por uma amizade, fui pertencer a um grupo na cidade que se formava: a Associação dos Amigos do Arquivo e Patrimônio Histórico, a AAPAH. Na ocasião, eles estavam se constituindo com uma associação quando um fato que ocorreu dentro do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico os chamou a atenção.

Numa reunião ordinária do Conselho, apresentaram a proposta de destombamento do antigo Casarão por parte dos proprietários do Shopping. Um escritório de arquitetura foi contratado para dar um parecer dizendo que o imóvel não tinha características arquitetônicas significativas que merecessem alguma relevância. Esse relatório já tinha um claro conflito de interesse e não considerava nenhum aspecto histórico, como já mencionado aqui. Houve uma imposição da direção do Conselho do Patrimônio Histórico e da Secretaria de Cultura para sua aprovação –e os raros membros que se negaram a aprovar tal medida foram convidados a sair do Conselho. Estes membros entrariam na AAPAH posteriormente.

Dias se passaram e em uma reunião da AAPAH, que ocorreu inclusive no meu escritório, decidiu-se fazer um protesto em frente ao Casarão. Alunos da UNIFESP, professores, historiadores e demais interessados foram convidados a se unir em frente ao Casarão, inclusive com convite à imprensa. O protesto foi marcado para uma quinta-feira de manhã, mas, para nossa surpresa, na madrugada de quarta-feira uma retroescavadeira já o tinha levado ao chão. Fomos avisados inclusive por um membro da AAPAH que saiu do cinema naquela noite e viu a casa desmoronada.

O protesto virou um manifesto. Uma nota de repúdio e uma mancha eterna no descaso com a história numa cidade que acabava de completar 450 anos.

A partir dali a AAPAH foi atrás de outra estratégia, e sim provocamos o Ministério Público para uma investigação. Num parecer multidisciplinar, mostramos as irregularidades do processo de destombamento, as ilegalidades da prefeitura e dos seus agentes. Este processo ainda contou com várias investigações, diligências e pedidos de esclarecimentos na prefeitura. Somente agora, mais de uma década depois do ocorrido, houve alguma penalidade e responsabilização dos agentes políticos.

Antigo estacionamento do Internacional Shopping está assim: fechado e abandonado
Antigo estacionamento do Internacional Shopping está assim: fechado e abandonado (Foto: Bueno Drone/Guarulhos Todo Dia)

Não havia nenhum projeto concreto de trem, Metrô, Poupatempo ou mesmo ampliação do shopping. Em 2017, o shopping acabou vendido e até a publicação deste artigo o terreno onde ficava o casarão não tinha nenhum uso, nem mesmo para estacionamento. O ex-prefeito Guti era somente um dos vereadores na época, mas temos que lembrar que a Câmara aprovou o seu destombamento acompanhado pela maioria do governo petista.

A história que ainda não foi contada deste casarão é que o prefeito Sebastião Almeida e seu grupo político tinham interesses ideológicos na derrubada do casarão. “Tinha que derrubar mesmo, ali era lugar de encontro dos Integralistas, fascistas da cidade”, teria dito um alto secretário envolvido no destombamento. É preciso mostrar para governos autoritários que a história não se apaga, e esta ainda irá reverberar.

Esse conjunto de motivos que levaram a destruição do Casarão evidencia como pensa a classe política de Guarulhos. O patrimônio histórico não é levado a sério da cidade. Em que pese todas as críticas às leis de tombamento, e eu as assino, cada caso tem que ser analisado com cuidado, estudo, respeito e tecnicamente amparado. A preservação não pode atrapalhar a cidade, seu desenvolvimento, embora não fosse esse o caso do Casarão Saraceni. Improbidade administrativa aliada a interesses difusos, reles e vis não podem ser a tônica de decisão dos políticos.

O processo ainda cabe recurso e parece não terminar tão cedo. A AAPAH, posteriormente, teve sucesso no engajamento contra a demolição do Casarão José Maurício. Não deu tempo de demolirem na calada da noite como a anterior, e hoje a cidade está prestes a ter totalmente pronto o museu Casarão da Nossa História.

Uma cidade que não tem memória não cria raízes e sentimento de pertencimento na população. A cidade muda, se transforma e as pessoas perdem sua referência com o local. Como consequência, a gente tem fuga de cérebros –algumas das mentes mais brilhantes e bem sucedidas fogem daqui–, desinteresse político e até o problema atual de jogar lixo na rua, que mais tarde provoca enchente. Cuidar do patrimônio histórico é uma questão de cidadania, valorização do território e identidade local. Que a história possa nos ensinar no futuro a ter uma melhor classe política.


Danilo Ramalho, do GRU Convention e Visite GRU

*Artigo de Danilo Ramalho, que é membro do Conselho Municipal de Turismo, esteve no início da AAPAH e atualmente atua como Diretor Executivo do GRU Convention.

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